12/11/2016
Embora sem nada para festejar, o Portal D Moto esteve em Bento Rodrigues, subdistrito de Mariana, no aniversário de um ano do rompimento da barragem que soterrou quase todo o lugarejo, dizimando muitas vidas.
A bordo de nossa motocicleta toda carregada de equipamentos, partimos de Catas Altas numa manhã ensolarada de um dia que prometia chuvas no entardecer. Rumamos ligeiros para o Distrito de Santa Rita Durão, em Mariana, núcleo habitado mais próximo do epicentro da tragédia, de modo a estudarmos a melhor maneira para se chegar “ao Bento”.
Entre as conversas que encetamos no lugar, pudemos contatar muitos trabalhadores que estão lotados em Bento Rodrigues para serviços diversos, sendo todos unânimes na informação de que a estrada estava interditada a partir de um certo ponto, e que não era permitida entrada de visitantes.
Arriscamos mesmo assim e partimos incontinenti ao desconhecido, ansiosos para ver o que nos reservaria aquela visita inesperada para todos lá. Como única informação disponível, soubemos que alguns arqueólogos de uma empresa terceirizada atuavam na capela de São Bento. Arriscamos.
Não tínhamos nomes certos, tampouco a empresa ou os cargos que eventualmente ocupavam e decidimos investigar essas informações pelo trajeto, com os próprios funcionários do lugar, na esperança que com os dados recolhidos, ainda que precários, conseguíssemos atravessar a segurança, pilotando nossa motocicleta naquele caos ainda reinante.
Seguimos pelos 12 ou 13km de Estrada Real que liga Santa Rita Durão ao “Bento” e logo encontramos a famigerada porteira, com os seguranças em cabine especial. As placas eram “implacáveis”: Proibida a entrada. No entanto, sem que proferíssemos uma só palavra os portões foram abertos e nossa entrada franqueada(???!!!)
TRANSPONDO PORTEIRAS
Não regateamos, evidentemente, e tocamos em frente antes que os “meninos do HT” exigissem nossa parada ou coisa assim. Alguns km à frente outra porteira nos aguardava e outros seguranças olhavam com espanto nossa motocicleta naquele local, e já tendo passado pela primeira portaria. Que fazem aqui? Como passaram? Foram suas primeiras perguntas.
Com ares de desentendidos e buscando descer da moto para esticar as pernas, antes de prolongar o assunto nada interessante, outros seguranças nos rodearam, chamados pelo rádio. Depois de informarmos que nosso destino era uma determinada pessoa, ficaram confusos com a incorreção do nome que apresentamos, mas mesmo assim nos encaminharam ao canteiro dos arqueólogos.
Um dos seguranças, que aproveitou para segurar a câmera fotográfica e nos ajudar na foto, nos confidenciou que depois do acidente “nenhuma outra motocicleta entrou na vila”, por ordem expressa da direção da Samarco e por precaução. Parece que nossa presença deu um tilt nos funcionários da segurança, pois não estávamos autorizados a entrar mesmo.
Só na saída fomos compreender o motivo de nossa aparente facilidade de entrar: fomos confundidos com policiais, já que nosso colete do Portal D Moto se assemelha muito com o uniforme da polícia militar de Minas Gerais. Mesmo assim e talvez por cisma, fomos “fiscalizados” em cada minuto que estivemos entre os escombros.
ENTRANDO NO “BENTO”
Passada a fase do ingresso na “cidade”, seguimos em direção das casas atingidas. Em pouco tempo já estávamos na parte alta do Distrito, onde as casas não sofreram danos da lama, mas de pessoas que no mesmo dia do desastre entraram para saquearem tudo, incluindo portas, janelas, vidraças, etc, o que fez acontecer a intervenção de seguranças que estão presentes até os dias atuais.
Entramos por uma alameda com piso em plaquetas de cimento, que deve ter sido muito bonita nos tempos áureos do “Bento”, e fomos aproximando da sua parte mais baixa, onde agora predominava uma única cor: o “marrom ferrugem”. Pela marca deixada por esse caldo avermelhado nas paredes dos imóveis, tem-se uma ideia exata da tragédia.
Para facilitar o acesso aos imóveis destruídos e o socorro às vítimas, a lama foi retirada em alguns lugares, tentando refazer as vias urbanas antigamente existentes. Trafegar por esses caminhos não é nada fácil, pois a lama seca se transformou numa poeira extremamente fina, que faz as rodas da motocicleta dançarem de lado a lado.
Pegando nas mãos esse pó vermelho, percebe-se que mesmo umedecendo-o não é possível fazer sequer uma bolinha de barro, já que não há liga alguma nessa poeira, pois objeto de múltiplos processamentos antes de ser considerado “rejeito mineral” e ser estocado na barragem rompida.
A CAPELA DESTRUÍDA
Sempre desviando de alguma viatura dos seguranças da Samarco, acabamos chegando ao átrio da capela de São Bento, ou melhor, do que sobrou dela, pois na verdade somente a árvore de seu lado esquerdo, onde protegemos a moto do calor, restou intacta da fúria da lama.
Todos os escombros dessa capela estavam protegidos por 200m2 de toldo branco e uma cerca metálica, com direito a cadeado e responsável único por sua abertura e fechamento. Lá um grupo de oito arqueólogos trabalham de sol a sol para retirar todo material necessário para a reconstrução da Capela de São Bento, bem como para fazer o inventário de todas as relíquias e documentos.
Lá encontramos o Dr. Juseir, um dos arqueólogos responsáveis pelo monitoramento do trabalho naquele lugar, que concordou em conversar conosco, passando muitas informações relevantes sobre as peculiaridades de Bento Rodrigues, antes do triste episódio de um ano atrás, e histórias do ocorrido.
NO “BAR DA SANDRA”
O Dr. Juseir também nos levou ao “Bar da Sandra”, quase ao lado da pequena Igreja. Segundo ele e pelos documentários colhidos na internet, o bar era o ponto alto do Distrito e centro de convergência de turistas de todos os cantos do mundo que visitavam a Estrada Real. Nele funcionava também uma pequena pousada.
O mais incrível e que nos fere fundo na alma é ver esse lugar, antes cheio de alegrias e contentamentos, ser hoje ruína e representação de morte de pessoas. Ainda se pode ver engradados de bebidas fincados na lama seca e lâmpadas que nunca mais acenderão, tudo entre ferro retorcido e a cor ocre característica.
PRECE SILENCIOSA
Passamos lentamente com nossa motocicleta em cada ruazinha do lugar, em respeito a todas as vidas ceifadas naquela tarde fatídica de 5 de novembro de 2015, mesmo sabendo que a moto adernaria em cada montinho de areia fina do caminho, dado a baixa velocidade impingida.
Que cada olhar que lançamos naqueles escombros retorcidos possa ser traduzido em silenciosa prece ao Engenheiro dos Engenheiros. Que cada segundo envolto naquelas brumas de poeira que lá reina, possa homenagear as almas que deixaram o planeta naquele começo de noite.
BREVE HISTÓRIA
Bento Rodrigues é passagem da Estrada Real e importante centro de mineração desde os tempos do Brasil colonial. Atualmente não existe mais o minerador rústico, com suas mulas, cordas e tralhas, mas empresas gigantescas que dominam hoje toda a região com suas máquinas imponentes e barulhentas.
Há um ano o lugar abrigava uma população estimada de 600 pessoas, distribuída em pouco mais de uma dezena de ruas e aproximadamente 200 imóveis, incluindo neles duas igrejas antigas, mercadinhos, pousada, bares, igrejas evangélicas, escolas e tudo mais que uma população daquele gênero necessitava.
Pairando sobre a cabeça dos seres viventes naquela localidade, duas imensas barragens de rejeitos minerais (Fundão e Santarém) iam se avolumando, segundo a segundo, até que na fatídica tarde a primeira delas se rompeu, atingindo centenas de moradores e mais da metade dos seus imóveis.
O horário do ocorrido corroborou para as mortes ocorridas, pois a noite logo chegaria e nada se poderia fazer no breu noturno. No momento da tragédia a maioria das pessoas em idade ativa não estavam presentes, senão o desastre poderia ser maior ainda. Mesmo assim é possível imaginar a angustia dos trabalhadores que não mais teriam para onde voltar, tampouco pessoas que os aguardassem.
Pior, ainda, se o desastre tivesse ocorrido num final de semana ou num feriado prolongado, como tinha ocorrido três dias antes, com finados, pois, além de toda sua população estar presente, muitos turistas certamente lá estariam, curtindo as cachoeiras e as belezas naturais da região.
Bento ficou com a triste fama, mas outra localidade sofreu proporcionalmente: Paracatu de Baixo, alguns kms rio abaixo. A barragem rompida faz parte da Mina Germano e foi construída para acomodar os rejeitos provenientes da extração do minério de ferro que são retirados de extensas minas na região
Não bastasse a desgraça reinante houve a ação de ladrões, que logo em seguida ao desastre pilharam eletrodomésticos, fiação elétrica e até dinheiro que os habitantes guardavam, e na parte mais alta do vilarejo, arrancando portas, janelas, grades, portões de garagem, telhados, etc.
Um novo povoado de Bento Rodrigues está sendo construído na região, a cerca de 9km do atual, numa área de 90 ha. Fontes diversas nos informaram, entretanto, que o local da tragédia provavelmente será inundado em definitivo, já que a Samarco está construindo uma nova barragem, agora ao nível da vila destruída.
A expectativa geral era que tudo fosse reconstruído, como uma espécie de Memorial às vítimas, já que não há voluntários que desejem residir por ali.
ASSISTA O VÍDEO REPORTAGEM
Para nós, motociclistas, esse trecho da Estrada Real vai ter um gostinho a mais, se essas vias forem desimpedidas novamente. Nossa contribuição com a melhora do mundo pode ser essa: Estarmos sempre presentes, ativos e alertas, para que o nosso mundo se transforme para algo bem melhor.
Depois de algumas horas no lugar, deixamos Bento Rodrigues com um sentimento misto no peito. Uma mescla de dever cumprido, por trazer à tona, de forma limpa e sem rodeios, a real situação de um dos maiores desastres ecológico do mundo; e por pessoalmente vivenciar cada detalhe desse triste episódio.
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CRÉDITOS
Texto e edição: Marcos Duarte
Fotos e vídeos – Marcos Duarte
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