31/12/2016
Há um ano conhecemos a Aldeia Nhamandú Mirim, litoral sul paulista, e nossa vida deu uma guinada de 180 graus. Nesta matéria você poderá ver o outro lado do evento feito pelos motociclistas nessa comunidade indígena. Saiba mais.
Ao invés de seguirmos com o Motoclube Barba Negra´s, como fizemos no ano passado e que rendeu até um “MQ” (mototurismo em quadrinhos), desta vez nos antecipamos e fomos um dia antes na Aldeia, onde acampamos com a tribo, participando do seu dia-a-dia.
A ideia era ver o comportamento dos indígenas, principalmente dos pequeninos indiozinhos com a atividade que aconteceria no dia seguinte com muita festa, alegria, entrega de presentes, etc. Queríamos ver suas expectativas, ansiedades e reais desejos desses seres ainda estranhos para nós.
Antes, porém, entramos em contato com Lenira Djatsy, vice diretora da Escola que funciona dentro da aldeia, para sabermos as necessidades das crianças. Para nossa surpresa a empresa LeYa, distribuidora de livros, cedeu-nos quase um cento de livros infantis e outra pessoa anônima forneceu o mesmo tanto em giz de cera e lápis de cor. Tudo foi entregue à diretora para que fossem usados conforme a necessidade.
Nesse espaço um parêntese: A vice diretora da Escola, se é que podemos chamar de escola aquela choupana rústica no meio do mato, é também indígena, uma das líderes da comunidade visitada e formada pela USP.
Olhando a “Escola Estadual” instalada na comunidade indígena deu para perceber o quanto a administração pública, tida como evoluída, politizada e moralista, trata os indígenas. Será que pelo fato de serem índios não merecem ao menos uma escola melhor? É, é para índio mesmo…
Conversando com os caciques indígenas que se reuniram naquela noite que lá estivemos a resposta foi: PARACE QUE NÃO. E a assertiva parece ser mesmo verdadeira, pois nenhum aluno de outras escolas da cidade sujeitaria a estar ali. Ao menos a placa indicativa da escola está no “padrão oficial”. Triste de ver.
A noite foi chegando e o galpão de madeira e palha, com uma fogueira acesa diuturnamente, aguardava os índios que vinham em pequenos grupos familiares. Todos vieram, sem exceção, a despeito de idade, da novela, do celular e de qualquer coisa mais, sempre os mais velhos com privilégios em relação aos mais moços. Era a hora da aldeia se reunir para os agradecimentos à Nhanderú.
Normalmente esse trabalho é feito na Casa de Rezas, mas essa estava um tanto danificada e iria ser consertada nos próximos dias. Vários pagés de outras aldeias estavam presentes e a reunião começou com silêncio e respeito total. A única luz que se fazia presente era da fogueira e de uma lanterna que levamos, mas que não alteraria em nada os trabalhos que realizariam.
A luz elétrica ainda não tinha chegado àquele ponto da aldeia, mas pagé Mirim (Domingos), ancião e cego, nos “reconheceu” de pronto à nossa chegada e nos cumprimentou efusivamente, pedindo que ficássemos ali mesmo e que éramos bem-vindos. Ele mal tinha nos “visto” no ano anterior, no entanto resplandeceu de alegria com a nossa chegada.
“Catarina” também estava presente com sua aura mágica de encantamento pessoal. Foi a primeira cacique indígena em terras tupiniquins e graças a isso arrumou inimigos até mesmo entre os índios, normalmente sociedades guiadas por homens guerreiros.
Mas Catarina também é guerreira e luta bravamente pela causa indígena há muitos anos, em outra seara, a da razão, da harmonia, do conhecimento, da paz. Formada em Antropologia e com outros diplomas mais, viaja todo o Brasil tentando unificar os indígenas e barganhar recursos para seus confrades. Mal tinha acabado de chegar de Brasília, onde esteve com um Ministro de Estado e já estava entre nós, de cachimbo e tudo mais.
Qual a luta dos índios? A mesma que nossa, só que eles precisam bem menos. Querem poder ter sua cultura preservada, não obstante as modernidades que o mundo oferece; Querem ser respeitados por suas escolhas, como queremos ser com as nossas.
Infelizmente é cediço que hoje são dependentes das “migalhas” dos “brancos”, diga-se os cidadãos encastelados numa cidade de pedra e não de palha. Poderiam pescar, mas matamos todos os rios; poderiam caçar, mas envenenamos a atmosfera; poderiam ser felizes, mas pouco a pouco tomamos suas terras.
Índios são vagabundos, dizem uns; índios são sujos e fedidos, dizem outros. Os adultos até toleram tais insultos, insulando-se em suas tabas, mas, e os pequeninos? Aqueles que querem estudar, aprender, ser alguém? Esses sofrem com isso amiúde e as pessoas nem percebem que esses pequeninos falam fluentemente duas línguas: O português e o tupi-guarani.
A escola na aldeia é uma opção penosa, discriminadora, apartista, mas menos dolorosa para os jovenzinhos que desejam aprender tanto quanto os filhos das demais pessoas já socializadas, por assim dizer. Mas nem mesmo um banheiro decente tem nesse “prédio escolar”. Aqui tem que se molhar na chuva para fazer suas necessidades.
Querem trabalhar sua terra para o sustento, mas nossas Leis ultrapassadas minam-lhes os esforços e são obrigados a viverem de artesanato. Alguns chegam a mudarem da aldeia para a cidade, pois a exploração imobiliária está ao derredor dessas aldeias litorâneas paulistas.
Nhamandú Mirim fica exatamente na divisa entre as cidades de Peruíbe e Itanhaém. Não são servis, mas obedecem aos da FUNAI tal como se fossem seus empregados, evidentemente não por puro respeito, mas por temerem alterações que os prejudiquem. Como se pode perceber na imagem, estão entre dois flancos urbanizados que arrocham o cerco para com os indígenas e forçam sua retirada, senão de forma truculenta como vemos em algumas partes do Brasil, mas com a pressão sem trégua lado a lado.
Na reserva congregam-se dezenas de aldeias, com várias centenas de pessoas que muitas vezes são desprezadas na cara dura ou enxotados como bichos; outros desdenham-lhes a presença, ignorando-lhes; outros preferem incutir a discórdia entre eles, fornecendo bebidas alcoólicas e drogas, fazendo implodir muitas aldeias.
Há sempre um meio novo e cruel para não lhes darem as mãos. No entanto eles assim não retribuem nossa inospitalidade. Nos recebem com o que tem e nos abençoam. Tais pensamentos divagavam pela mente quando alguém se aproximou e nos soprou fumaça na cabeça. Estávamos sendo batizados como índios.
Com tudo isso o Pagé “Mirim” já tinha de pronto meu nome novo, aliás, que confere bastante com o oficial que ele não sabia, e até com a referência que faziam a mim desde criança. Awá Ma’ē-Djú. “aquele que vê tudo de bom nas coisas”.
E assim, de tranco em tranco passamos a entender um pouquinho mais o ser humano, mesmo sabendo que ainda estamos muito longe do conhecimento pleno.
A manhã seguinte chegou ensolarada e os indiozinhos aguardavam incansáveis os motociclistas, não talvez pelos brinquedos que trouxessem, mas para ver aqueles valentes cavaleiros de aço rasgando as estradas, quiçá sonho de muitos que estamos embalando.
Com a chegada das motos houve alvoroço entre as crianças, que a tudo queriam ver e a tudo tocar, daí o exemplo que deve partir de cada um de nós, afinal, queiramos ou não somos ídolos de alguns e nos copiarão no futuro.
A estadia na Aldeia reservou-nos uma surpresa prá lá de agradável. Entre os visitantes de outras Aldeias lá estava meu irmão pele vermelha Jerry Paixão, que veio de São José dos Campos para o Evento. Tem pessoas que nos fascinam desde a primeira vez que as vemos e esse é o caso com o Jerry. Para conhecer o Jerry, é só acessar o Facebook. Esses índios! Estão cada vez mais interligados.
ASSISTA AO VÍDEO
Com essa matéria especial encerramos 2016 e desejamos um bom final de ano a todos os leitores do Portal D Moto, com um agradecimento ao mais Alto e de forma indígena: A`EWETÉ NHANDERÚ. (Obrigado Deus)
Ass: Awá Ma’ē-Djú
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CRÉDITOS
Fotos: Awá Ma’ē-Djú e Celso Elez
Texto e Edição: Awá Ma’ē-Djú
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