08/04/2020
Nossa aventura pela Rota das Barragens começou pela Serra do Rola Moça, que não tinha esse nome não. Acompanhe este roteiro cheio de poesia e devastação pelas plagas mais ricas das Minas Gerais.
SERRA DO ROLA-MOÇA
“Eles eram do outro lado, Vieram na vila casar. E atravessaram a serra, O noivo com a noiva dele Cada qual no seu cavalo.” |
“Antes que chegasse a noite Se lembraram de voltar. Disseram adeus pra todos E se puserem de novo Pelos atalhos da serra Cada qual no seu cavalo” |
“Os dois estavam felizes, Na altura tudo era paz. Pelos caminhos estreitos Ele na frente, ela atrás. E riam. Como eles riam! Riam até sem razão.” |
“A Serra do Rola-Moça, Não tinha esse nome não.”
Nessa toada poética, relembrando a Semana de Arte Moderna de 1922, seguimos numa manhã ensolarada de Belo Horizonte rumo ao sul do Estado, seguindo da região central até chegarmos na Av. N. Sa. do Carmo, que se confunde com a BR-356 na altura da divisa com Nova Lima, no sopé da Serra do Rola Moça.
Não dava para esconder o desejo de conhecer os trechos descritos na poesia de Mário de Andrade mas, ao contrário, começamos a reparar numa sequencia de escavações nas duas margens da rodovia que, mesmo tentando esconder a devastação pela vegetação ciliar das estradas, era denunciado pela cor ferrosa depositada no asfalto pelos inúmeros veículos que transportavam minérios por ali.
Se fosse hoje, com certeza os noivos escolheriam outro atalho para “irem na cidade casar”, principalmente por estarem, “cada qual no seu cavalo”.
Mina da Mutuca, Mina de Mar Azul e a Companhia de Saneamento de Minas Gerais. Todas com área de devastação idênticas, ficam a pouquíssimos metros da rodovia, sendo que a Copasa se estende até a portaria do Parque Estadual da Serra do Rola Moça.
“As tribos rubras da tarde Rapidamente fugiam E apressadas se escondiam Lá embaixo nos socavões, Temendo a noite que vinha.” |
“Porém os dois continuavam Cada qual no seu cavalo, E riam. Como eles riam! E os risos também casavam Com as risadas dos cascalhos, Que pulando levianinhos Da vereda se soltavam, Buscando o despenhadeiro.” |
“Ali, Fortuna inviolável! |
“E a Serra do Rola-Moça, Rola-Moça se chamou.”
“Mario de Andrade” (1893 – 1945)
O Parque do Rola Moça, com 3 941 ha, fica ao sul de Belo Horizonte, contemplando, além da capital mineira, as cidades de Nova Lima e Ibirité, chegando até Brumadinho, na região da Mina do Feijão, a mesma cuja barragem foi rompida recentemente, levando muitos noivos e noivas lama abaixo, além de pais de famílias, avós, tios, sobrinhos e muita gente.
Continuamos nosso trajeto pela BR-356 e, posteriormente, pela BR-040, seguindo rente na divisa entre Nova Lima e Brumadinho, duas gigantescas cidades em território do Estado e que mantém, juntas, um rastro de devastação que conta com dezenas de mega minas ao longo de seus domínios.
SERRA DA MOEDA
As diversas minas continuam nos seguindo ao longo da BR-040, preferencialmente do lado leste da rodovia, até a cidade de Congonhas, quando migram definitivamente para essa direção em busca de Ouro Branco, Ouro Preto e Mariana, retornando rumo norte em direção de Barão de Cocais, Catas Altas, Santa Bárbara, etc.
A trégua acontece somente do lado da pequena cidade de Moeda, cuja matéria já apresentamos ao leitor amigo, que não tem área alguma sob escavação, razão pelo qual seu desenvolvimento é bem lento, consideradas as cidades da vizinhança.
https://portalaventuras.com.br/moeda/
Lá usamos também da poesia para ilustramos a localidade da melhor maneira que entendemos possível:
“Aqui todo mundo tem o seu ‘vintém’, disso não duvide o leitor, ainda que não seja em notas graúdas, de Moeda em Moeda fazem seu ‘pé de meia’ com muito suor.
Sua principal ligação com o projeto minerador do Estado é a sustentação da ferrovia sobre suas terras, cujas composições abarrotadas de minérios passam exatamente pelo seu centro comercial, num eterno vai-e-vem de locomotivas e vagões.
Enquanto isso, do outro lado da BR-040, opondo-se a cidade de Moeda, as minas continuam se estendendo: Mina Várzea Do Lopes Gerdau (dos dois lados da pista fazendo complicar o trânsito); Mina Serra da Moeda (dos dois lados da pista); Mina de João Pereira, Mina Fábrica, Mina de Segredo e outras tantas gigantescas nas cidades de Itabirito e Congonhas.
SERRA DO MASCATE
Logo depois da cidade de Moeda vamos encontrar a vizinha Belo Vale, 13 km ao sul e já na área da Serra do Mascate. Lá também há proteção natural contra a devastação, graças ao difícil acesso que têm a partir da BR-040, única forma de se chegar em ambas as cidades, que não seja por via rural.
Belo Vale também já foi apresentada recentemente aos nossos leitores aqui no Portal D Moto, e lá tivemos a grata surpresa de encontrarmos o bom humor e a alegria no quilombo do Chacrinha; e determinação e trabalho forte da Noiva do Cordeiro. E não faltou poesia.
“Das mandingas do ‘Chacrinha’ às ‘Noivas do Cordeiro’, aproveite quem tem tempo, conheça tudo por inteiro.”
https://portalaventuras.com.br/belo-vale/
Mas a preservação ambiental, até então marca registrada da cidade, está ficando para trás, vez que já avança sobre seu território áreas mineradoras da Mina de João Pereira, essa no curso da MG-442, na divisa com a cidade de Congonhas.
Esse avanço, devastador por um lado, traz, também, o imediatismo de uma receita mais gorda para a cidade, o que se pode constatar com restaurações dispendiosas no patrimônio público, evidentemente não sendo prioridade numa pequena cidade com tantos problemas sociais inerentes aos nossos tempos.
De qualquer maneira, rodar pela MG-442 rumo a Congonhas, nos limites de Belo Vale, é muito prazeroso e vale o passeio. Nosso intento era concluir o trecho até Congonhas usando o acesso pela Serra Casa de Pedra, mas fomos impedidos por estar interditado nesse dia.
Somente depois fomos saber que essa interdição é muitas vezes proposital, com a finalidade de desestimular o caminho para curiosos, já que passa exatamente sobre a parte principal da mina.
SERRA CASA DE PEDRA
É o nome usado para designar ao conjunto formado pelos morros do Engenho (1.630m), do Pilar e de Santo Antônio, e se localiza na cidade de Congonhas.
Como quase toda a serra está devastada pela ação das mineradoras, o local tem sido palco de acirrados protestos por parte dos moradores, uma vez que, além do perigo a que a população está exposta, como aconteceu em Mariana e Brumadinho, a serra abriga uma importante fonte de água potável e é tombada por uma lei municipal.
Mas é lindo, muito lindo rodar pela MG-442 já nos limites de Congonhas. Quem roda nesse trecho nem se apercebe que está cortando literalmente uma das maiores e mais devastadas (diga-se produtiva) minas do Estado, podendo até a bendizer a “beleza da natureza” e da “mata verde” do entorno, sem notar que tais são apenas a cortina propositadamente mantida para nosso deleite e desinformação.
Chegamos ao cúmulo de avistarmos uma bela e cachoeira jorrando suas caudalosas águas de uma montanha totalmente pelada de vegetação, outrora seviciada por vorazes máquinas de mineração, num espetáculo dantesco e triste de ver.
Entre as frestas da vegetação que acompanha a pista pudemos nos entreter com o panorama desolador do ponto alto da mina de José Pereira, perdendo-se de vista o fim do “canteiro de obras”.
Como não pudemos cruzar os 16km que liga a MG-442 até a cidade de Congonhas, pela Estrada Casa de Pedra, seguimos até lá pela BR-040, não sem passarmos igualmente por outras tantas mega minas que as margeiam.
No crepúsculo adentramos aos limites urbanos da “Cidade dos Profetas”, que não mais ostentam a tonalidade “azul alabastro” original, mas sim o “cinza nebuloso”, cor que predomina na aura das grandes mineradoras locais.
NA ROTA DAS BARRAGENS
“Na pausa do cinzel e das ferramentas declinas perguntas à pedra. Teus profetas elegem o ar conhecem o volteio dos dias pisam o pergaminho das parábolas.” |
“Doze vezes a pedra humanizada respira o silêncio das colinas. Tuas mãos em descanso emocionam o tempo fixado.” |
Fernando Paixão (poeta português)
nosso trajeto pretendido (em azul)
Quando caçoamos do poeta ufanista Gonçalves Dias, que abraçou a causa do país com a paixão incontida, taxando-o de exagerado, ultrapassado ou brega, caçoamos mais ainda de nós mesmos, “aceitando o séptico açoite que nos assola“.
“Minha terra tem palmeiras, (Canção do exílio) |
“E vendo os vales e os montes (Minha Terra) |
Se é certo que o Brasil não pode parar, mais certo ainda é que o brasileiro deve ser o o alvo de todo o progresso e precisamos estar sempre na vanguarda de novos desafios, de novas investidas, nos revoltos mares de nossa jornada.
“NAVEGAR É PRECISO. VIVER NÃO É PRECISO.” (autor original desconhecido) |
Os moradores de Congonhas vivem essa imprecisão do viver a cada minuto do dia, potencializando o horror noite adentro.
trajeto efetivamente percorrido (em azul)
A Barragem Casa de Pedra, uma das vinte e quatro barragens da cidade, é a maior da América Latina e está a pouquíssimos metros do centro histórico de Congonhas. Mais ainda. Controlada pela Companhia Siderúrgica Nacional, é uma daquelas com grande chance de rompimento a qualquer momento, mantendo a população em alerta máximo o tempo todo.
Outras mineradoras exploram o rico solo de Congonhas, como a Vale, a Gerdau e a Ferrous, no entanto, é justamente a barragem da CSN, com 50 milhões de m2 de rejeitos, que pode causar danos sem precedentes na história.
Em que pese as inúmeras autuações que tais mineradoras recebem do Município, do Estado e da União por infrações às determinações legais, é certo que isso não minimiza a ação dos empreendedores, certos da necessidade que essas administrações públicas têm das polpudas receitas financeiras que recebem.
Questionado, o povo diverge: Uns não veem solução, pois precisam trabalhar e a cidade precisa arrecadar; outros põem nas mãos de Deus e torcem para que nada dê errado; outros, ainda, buscam soluções, brigam, protestam, fazem abaixo assinados, mas pouco contam com apoio dos demais moradores e, principalmente, das acomodadas autoridades públicas locais.
Mas a pergunta que não quer calar é: Até quando tudo vai “dar certo”? Até quando as barragens vão se manter íntegras? Até quando o povo vai ter que esperar para ter paz?
De nossa parte não precisamos de nenhum malabarismo para conseguirmos essas imagens, pois todas estão no Google e podem ser vistas por qualquer pessoa.
Por ironia Congonhas comemora no próximo dia 17 de maio o aniversário de 35 anos do Título de Patrimônio Mundial, conferido em 1985 pela UNESCO ao Santuário de Bom Jesus de Matosinhos.
No adro da Basílica ainda podemos ver as doze obras primas originais de Aleijadinho, esculpidas em pedra sabão azulada; na rampa de acesso ao templo estão, em seis capelas distintas, as 66 estátuas representativas dos Passos da Paixão de Cristo, essas confeccionadas em cedro pelo mesmo artista, mas com pintura de mestre Athaíde.
Não, não é loucura nem exagero lembrar que toda essa arte pode desaparecer num piscar de olhos, num perfeito cumprimento da máxima que diz “que nada se perde, mas tudo se transforma”, fazendo retornar ao limo da terra a pedra-sabão dos profetas, e ao adubo, as imagens do cristo.
Se você já conhece a região, tem alguma crítica ou sugestão para fazer, envie-nos um comentário a respeito. Será muito útil para nós.
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EDITORIAL
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