O título de CAPITAL DO CAIXÃO DE DEFUNTO pode ser estranho, mas foi exatamente nossa experiência em Cabrália Paulista, uma cidadezinha de pouco mais de 5 mil habitantes, encravada no interior do estado de São Paulo.
Ninguém consegue falar de Ribeirão Preto, sem mencionar o Pinguim; de Itu, sem suas coisas grandes; de Bragança, sem sua linguiça, assim como de Cabrália Paulista sem seus… caixões de defunto.
Cabrália fica a 45 km de Baurú. Sua área central é diminuta. São cerca de seis a oito ruas e o mesmo número de travessas ao todo. Melhor dizendo: nessa cidade não há ruas, todas são avenidas largas e com canteiro central.
O cabraliense ainda se orgulha morar na “capital do caixão”, embora a cidade não produza mais a mesma quantidade de urnas que antigamente, quando lá havia oito fábricas do ramo. Mesmo assim todos os moradores que conversamos tem ou teve algum contato com essas “embalagens mortuárias”, já que se produzia mais de 20 mil unidades/mês nos bons tempos.
Popularmente conhecido como: “Paletó de madeira”, somente lembramos de sua existência nas horas mais tristes das nossas vidas, quando devemos “presentear” um amigo ou um familiar com um desses. Seria muito bom que todos nós motociclistas, pelo menos uma vez em nossas vidas, pudéssemos conhecer um pouco dessa cidade como uma espécie de “Meca” nacional.
PROTEÇÃO EM VIDA
Cabrália teria muito que ensinar para todos nós. Um contato mais direto com as experiências de seu povo na confecção de urnas e de seus acessórios poderia ser decisivo para aprendermos a valorizar as nossas vidas.
Se até para deixarmos o planeta usamos essa roupa nova de proteção, feita de madeira, porque tanta relutância na utilização dos equipamentos que ajudam a nos manter vivos quando pilotamos?
Botas, luvas, capacetes, calças e jaquetas especiais, assim como moto revisada e prudência ao pilotar são as peças e acessórios de compõem a “esquife da vida” dos motociclistas.
TRANQUILIDADE DE CABRÁLIA
Um “bate e fica” até Cabrália pode ser bastante interessante. São cerca de 350 km a partir de São Paulo, tanto pela Castello Branco como pela Mal. Rondon. A cidade é rica só em tranquilidade. Para os que desejarem algum conforto o ideal e procura-lo em Duartina (15km) ou Baurú (45km). No entanto curtir o sossego da praça central não tem preço.
Embora por lá tudo seja muito organizado e gracioso, vai ser difícil pernoitar ou ter boas refeições, mas a vizinha Duartina, a poucos minutos, supre tudo que o mototurista precisa em termos de acomodações e bons restaurantes.
OS CAIXÕES
O estreito relacionamento da população com os caixões não diminui o respeito aos mortos, mas as peripécias de uma carga de caixões pelas estradas; do susto de visitas na casa de artesãos do ramo; e do dia que o circo trouxe um número com caixão na cidade, não escapam das piadas nas ruas da cidade.
Acompanhados pelo presidente da Câmara Municipal, Sr. Antonio Consalter, vulgo “Toninho”, visitamos a autoridade máxima em termos de urnas mortuárias, o sr. José Reinaldo, que não quis ser fotografado. Foi ele que há muito tempo trouxe para a cidade a primeira indústria do setor. Hoje a empresa está nas mãos de seu filho que fabrica o que há de melhor no segmento.
No jardim de sua espaçosa casa ele nos contou que trabalhou em outra cidade onde aprendeu o ofício. As primeiras urnas feitas em Cabrália foram com caixas de cebolas revestidas com tecido. Depois foram incrementadas e hoje a empresa produz urnas riquíssimas.
Atualmente existem outras cidades que produzem mais que Cabrália, mas o relacionamento desse objeto com o povo jamais será superado. Dos cerca de 5 mil habitantes, mais de 4 mil já tem seu plano funerário e há quem tenha o seu próprio caixão guardado em casa.
Visitamos Sr. Molina que, juntamente com a esposa trabalham as obras fúnebres em casa mesmo: ele confecciona revestimentos em zinco para mortos em acidentes e ela os aviamentos da esquife. As visitas devem levar um susto tremendo com tantas urnas na garagem.
A única funerária está sediada numa residência onde a garagem serve de sala de velório. Como não há muitos enterros (média de 4 ou 5 por ano) a empresa vive da venda dos “convênios”, que custam a partir de R$ 23,00 mensais.
Foi a funerária mais “alegre” que já conhecemos. A Sra. Neide e suas filhas comandam o estabelecimento, muito bem decorado com miniaturas dos produtos de maior importância da cidade: “mini urnas”, porta canetas em forma de caixão, etc.
A ANTIGA FERROVIA
Decidimos mudar de assunto e fomos conhecer a antiga estação ferroviária da cidade, que mantinha um páteo que comportava quatro composições lado a lado. O local hoje é um pasto para animais, somente se destacando, no meio do “nada”, a antiga caixa d´água e dois sanitários, tudo em ruínas.
O galpão do armazém está sendo usado por uma carvoaria e as casas da colônia servem de abrigo à várias famílias. Lá encontramos o Sr. Sebastião Silva, 57, funcionário municipal. Muito educado e hábil nas palavras, contou que trabalhou na Fepasa e chegou a utilizar-se de uma daquelas casas depois que a ferrovia foi desativada, até que sua casa própria ficasse pronta.
Conta com orgulho de seu trabalho como zelador do patrimônio público e sente muita saudade do tempo da ferrovia. Disse-nos, em sua singeleza, que o trem levava caminhões carregados até outras cidades, economizando gasolina, pneus etc., e seus motoristas viajavam em vagão especial.
Nesse particular nosso cicerone, Sr. Toninho da Câmara, relatou que quando o trem chegava era festa. Diariamente, as 20 horas o povo estava todo ao lado da estação vendo quem chegava e quem partia. Só depois iam à praça.
Segundo ele a cidade só tinha ensino fundamental (até o 4º ano). Após disso o aluno tinha que viajar de trem para Duartina ou Baurú para concluir seus estudos e a estação era grande o suficiente para tanta gente indo e vindo.
Hoje o local está realmente num completo abandono. Mesmo o Sr. Toninho, morador e presidente da Câmara de vereadores de Cabrália Paulista, ficou com lágrimas nos olhos ao contar da ferrovia, local que não visitava há muito tempo, apesar de morar a uma quadra dali.
Se com toda certeza Cabrália receberia de braços abertos todos nós motociclistas, imaginem a recepção de alguns irmãos trikers que carregam carretas em forma de esquife, caveiras, etc. Um show do Zé do Caixão talvez possa emplacar por lá. Que acham?
UM TOUR POR CABRÁLIA
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CRÉDITOS
Texto e Edição: Marcos Duarte
Fotos e vídeos: Marcos Duarte
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Agradecimentos especiais a Prefeitura e a Câmara Municipal de Cabrália Paulista