Se o período do Natal pode ser considerado um tempo de magia, onde afloramos nossas sensibilidades, sempre com as bênçãos lá do alto, este ano não foi diferente para os integrantes de dezenas de motoclubes da capital e do interior de São Paulo.
A CONCENTRAÇÃO
Como já acontece há seis anos consecutivos, o destino dessa Ação de Natal se deu na pequena Aldeia Nhamandu Mirim, na cidade de Peruíbe, litoral sul do estado. Para acompanhar de perto esse evento a equipe do Portal D Moto seguiu os integrantes do Barba Negra´s MC, sediada num imenso casarão dos anos 20, no bairro do Cambuci, centro de São Paulo.
Desde muito cedo os diretores desse motoclube já estavam a postos, preparando o lanche para todos os participantes da jornada que se estenderia desde aquela manhã de sábado, até o domingo à tarde. Dezenas de motociclistas, motoristas, familiares e afins se concentrariam no local para a saída, prometida para acontecer as oito horas, em grande estilo.
Enquanto alguns davam os últimos retoques em suas máquinas, outros acondicionavam brinquedos e guloseimas que seriam distribuídas para as crianças indígenas do litoral. Se o movimento ali era crescente, outros clubes se preparavam da mesma forma, e alguns já estavam à caminho desde a madrugada, vindo de Batatais, Arthur Nogueira, Cosmópolis e outras cidades.
SEGUNDO ENCONTRO
Um segundo ponto de encontro estava marcado para acontecer, no primeiro posto de combustíveis após o pedágio da Rodovia dos Imigrantes, em direção à cidade de Santos. Seria nesse local que o evento teria seu início oficial, concentrando, agora, quase todas as pessoas pessoas envolvidas no projeto, já que muitos outros se uniriam no litoral.
Nem é preciso narrar, aqui, a felicidade reinante entre todos, num encontro de tal envergadura. Uma foto aqui, um abraço acolá e o atraso ao cronograma oficial não deixou de acontecer, afinal, muito se tinha de assuntos para ser colocado em dia e, de maneira pessoal é sempre muito mais emocionante.
SERRA ABAIXO
Enfim, mais de uma centena de motos se colocaram “serra abaixo”, muitas vezes em fila indiana entre os automóveis, principalmente entre os imensos túneis da rodovia. A velocidade sempre foi amena e tranquila, mas mesmo assim, em pouco tempo já estávamos rodando “ao nível do mar”, entre as cidades de Santos, S. Vicente, Praia Grande e Mongaguá.
Felizmente nenhum incidente ocorreu em todo o percurso, com nenhum dos motoclubes integrantes, a não ser muita alegria transbordando de todos os rostos. Já passava do meio dia quando começamos a estacionar nossas máquinas no Grêmio dos Funcionários Públicos de Itanhaém, que gentilmente cederam o espaço para nosso conforto.
Não demoramos muito para “marcarmos terreno” naquele lugar, deixando lá parte de nossa “tralha” para rapidamente nos colocamos em direção da Aldeia, onde éramos aguardados com algum atraso. São Pedro resolveu “colaborar” com a natureza e uma garoa quase estragou parte de nossos preparativos, fazendo com que muitos usassem a capa de chuva, por precaução.
A VIAGEM
RUMO À ALDEIA
Mesmo com a pista um pouco molhada, um imenso comboio, agora secundados por muitos outros motociclistas da baixada santista, desfilou pela Rodovia Manoel da Nóbrega em direção da cidade de Peruíbe. A aldeia à ser visitada ficava nas adjacências da divisa da cidade de Peruíbe com a de Itanhaém, onde nos sediávamos.
Escondida entre o mato verdejante da estrada, uma porteira “decorada com desenhos indígenas” dava-nos as boas-vindas e indicava que era ali nosso destino. Entramos todos de uma vez e nada silenciosos, buzinando freneticamente de forma a aguçar a imaginação dos pequenos “curumins” que se agitavam com os olhos faiscantes de alegria e curiosidade.
Já no centro da Aldeia fomos recebidos com muitos “gritos de guerra”, entoados por todos os indígenas presentes, que se somavam às centenas, já que várias aldeias de região se congregavam ali para o engrandecimento da festa e para confraternização entre eles. Era realmente de arrepiar tudo aquilo.
PROGRAMA DE ÍNDIO
Ao estacionarmos nossas motocicletas numa imensa área descampada, fomos interceptados por alguns pequeninos “indiozinhos”, que não se envergonhavam de nos perguntar um monte de coisas sobre as motos, curiosos para que mostrássemos uma “caveira”, que sabiam que eram parte das vestimentas tradicionais de muitos motociclistas.
Como não tínhamos esses adornos conosco, levamos os petizes aos motociclistas “encaveirados” e eles se encantaram com os novos “totens” que estavam conhecendo naquele momento. Logo mais esses mesmos indiozinhos insistiram para que fôssemos conhecer o imenso lago da reserva, embrenhando-se conosco na mata fechada.
Como já nos acostumamos com esses caminhos difíceis em nossas viagens, seguimos as crianças de perto e realmente nos encantamos com a beleza do lugar, encravado entre a densa vegetação do entorno. Eles queriam nadar para que olhássemos, mas entendemos por bem que assim não fizessem, por questões de segurança.
Quando voltamos ao “solo sagrado” da aldeia, o local onde os indígenas cultuam suas crenças e serve de pátio para festividades, percebíamos grupos diversos de motociclistas distribuindo os presentes que trouxeram, sob os olhares curiosos dos pequenos nativos que abriam avidamente os embrulhos, antevendo os brinquedos.
Por falar em brinquedos, bom que se diga que parte deles foram confeccionados pessoalmente pelos motociclistas do Barba Negra´s e dos Impossíveis, que se reuniram extraordinariamente para cortarem, costurarem, encherem e concluírem muitas bonequinhas de pano. O resultado agradou à todos, índios ou não. Confira o trabalho.
Se tínhamos preparado uma “festança” para os índios, eles não deixaram por menos e também fizeram uma bela apresentação para todos nós. Os pequenos indiozinhos estavam ansiosos para dançarem o “tchundaro” e não desgrudavam os olhares dos mais velhos para o início da apresentação, ao que tudo indicava ser de muita importância para eles.
Conversamos com alguns pequerruchos de “pele vermelha” e nos surpreendemos com a rapidez de raciocínio, do orgulho de serem “índios”, e da simplicidade de seus interesses. Apesar de admirarem as motos, não demonstravam um interesse de posse, como acontece conosco, sempre atentos nas atividades que desenvolveriam, como presentes para nós..
Antes do início das danças pudemos saborear um pedaço de bolo de mandioca ralada, delicioso, por sinal, que era vendido aos visitantes com juntamente com outras guloseimas indígenas e, ainda, lanches, espetinhos, hot dog, pasteis e alimentos tradicionais. Os refrescos e refrigerantes eram os mesmos que os nossos: Coca Cola, Guaraná, etc.
Todas as “ocas”, de maneira geral, vendiam artesanatos feitos pelos indígenas ou produtos alimentícios como lanches, doces, etc, que ajudam na economia local. Claro que nos rendemos aos encantos e adquirimos, um chocalho, uma zarabatana e uma machadinha de pedra, para presentearmos nossos amigos “caras pálidas” que não foram lá.
Lenira Djatsy (lê-se: Djãtsã), professora indígena e cunhada do cacique, nos concedeu uma entrevista exclusiva, representando todas as aldeias ali presentes naquele encontro e mostrou, de forma clara e precisa, todas as dificuldades que um índio encontra para poder manter íntegra sua cultura, num mundo cheio de preconceitos.
ENTREVISTA
Para os “brancos”, uma atração de paz rendeu longas filas para uma atenção especial do Pagé da aldeia, que atendia fraternalmente todos que queriam dele alguma orientação, ou mesmo um “tratamento” espiritual, ao modo indígena. Ninguém fumou cachimbo da paz, mas com certeza saíram “descarregados” da conversa íntima com o venerável ancião.
Enfim formamos uma imensa roda de pessoas em volta do canteiro central da aldeia e, sob a fumaça benéfica dos ancestrais dos indígenas, pudemos conferir várias apresentações representativas de suas tradições, raramente demonstradas à estranhos, já que muitas vezes são alvo de ridicularizações e ironias por tais investidas.
A dança apresentada fascinava à todos, mas, cá com nossos guidões, achamos que eles fizeram “a dança da chuva” pois, mal terminara a apresentação e o céu literalmente enegreceu, a ponto de colocar medo neles e em nós, já que pudemos perceber muitos motociclistas deixando o lugar com muita rapidez, sem mesmo se despedirem.
A “DANÇA DA CHUVA”
Os que estavam com carros, crianças, motos custom, ou não eram adeptos das estradas de terra, deixaram rapidamente a aldeia pela estradinha rústica, em busca da rodovia logo mais a frente. Nós outros também percebemos que não se tratava apenas de uma “chuva de verão”, mas de uma imensa “tromba d´água” que estava se formando.
Mal tivemos tempo de chegar ao asfalto e “o céu caiu”. Motos e carros não conseguiam mais rodar pela estrada, já que não era possível visualizar quase nada à frente, e todos nós nos refugiamos no acostamento até reunirmos de novo o grupo, muito embora muitos tenham “debandados”, sem qualquer aviso. Mérito para diretores de MCs, que ficaram até que todos estivessem seguros.
Com todos novamente reunidos o grupo remanescente seguiu cautelosamente sob a chuva fortíssima, pois que não havia um único lugar para refugiarmos. Só conseguimos encontrar um Posto de Combustíveis, muitos quilômetros depois, com todo mundo extremamente encharcados, mesmo usando capas de chuva.
Pela programação oficial do evento, nos dirigiríamos à “Ilha do Maurício”, tão logo deixássemos a Aldeia Indígena. Lá estava preparada uma banda para tocar rock de qualidade aos convidados. Porém, como a Ilha fica distante da cidade e com vários quilômetros em terra, além de travessia com barco raso de alumínio, foi abortada tal atividade.
Vídeo do evento no Nhamandu Mirim
NA BASE, EM ITANHAÉM
Sem outro recurso no momento, retornamos imediatamente à nossa base, em Itanhaém, para nos recompormos da melhor maneira possível. A surpresa ficou por conta dos motociclistas que já tinham montado suas barracas antes de irem para a aldeia. Com a forte chuva e o vento, muitas ficaram danificadas ou rolaram pelo acampamento.
Enquanto reformulávamos nosso “camping”, ainda embaixo de chuva, coube aos responsáveis pelo evento mandar buscar a banda e os motociclistas que já estavam na Ilha, para que tudo pudesse acontecer ali mesmo. Assim, ainda que com algum atraso, todos pudemos desfrutar do bom som que as duas bandas prometeram.
Com muitas barracas montadas bem próximo ao palco, onde o som suave do rock se dissipava no ar, muitos de nós pudemos curtir a boa música de dentro de nossas cabanas, até porque muitos estavam com a família e filhos pequenos presentes, que precisavam de repouso. Nós mesmos estávamos ainda moídos, do dia bastante tumultuado.
Por falar em crianças, elas foram uma constante nessa atividade. “Gringo” não pôde ir com sua moto, pois estava com a esposa e suas duas filhas: Hanna Clara, de 6 anos e Anna Júlia, com menos de 2 (meses). Isso mesmo, dois meses de idade. Para quem não entende o que significa motociclismo, pode agora perceber que isso tudo está “nas veias”.
O acampamento
Na barraca ao lado da nossa outra família trazia o filho pequeno para o evento. Quem é que não viu, riu e se divertiu com o “mala” do Leonardo? Sozinho ele deve ter conquistado o coração de todos os presentes. Perambulando entre as barracas dos participantes, foi “figurinha carimbada” até mesmo entre os indígenas da Aldeia Nhamandu Mirim.
A noite demorou à cair nesse período de quase verão, fazendo com que muitos de nós saíssemos pelas redondezas, à pé, em busca de um lanche ou pizza. Adotamos o bom serviço de uma pequena lanchonete familiar em frente do recinto onde estávamos. Por volta das 24 horas o silencio se tornava absoluto e as horas de repouso duraram até as 7h do dia seguinte.
NA ILHA DO MAURÍCIO
Pela manhã todos nós fomos “liberados” para fazer o que desejássemos, já que os planos originais do evento tinham ido, literalmente, por água abaixo. Muitos retornaram para as suas casas logo cedo; outros preferiram curtir a praia, já que alguns nunca a tinham visto; outros, entretanto, resolveram ir mesmo à Ilha do Maurício, na tentativa de restaurar o programa perdido.
Acompanhamos esse terceiro grupo e nos dirigimos, com algumas motos e carros, para a Ilha do Maurício, ao pé da Serra do Mar. Seguimos em direção oposta ao mar por cerca de 8 km em asfalto, e mais 3km em terra. Pronto! Agora era deixar as motos e automóveis no mato e atravessar o caudaloso Rio Negro, a bordo de um barquinho .
Não fizemos de rogado e, em algumas viagens todo o grupo já estava em terra firme, na margem oposta. Quem foi navegar por essas águas? Só os valentes e destemidos, incluindo nossa “nenê escudada, de 2 meses de idade”. Aliás, o charme da pequena Ana Júlia pode ser vista depois, curtindo o litoral paulista com seu biquini “amarelo cheguei”.
Depois de um almoço bem servido, com feijão e arroz caseiro, fritas e mandioca, peixe empanado, salada e farofa, retornamos à capital, partindo da Ilha exatamente as 16h30m. Desafio? Sim, desafio bravo para alguns, passeio corriqueiro para outros, mas, como resultado geral do evento, temos a positividade em grau máximo.
NA ILHA
LEMBRANÇAS FINAIS
Bom lembrar que durante esses dias de evento tivemos algumas surpresas agradáveis. Um namorado resolveu pedir sua amada em casamento, ajoelhando-se à ela entre uma música e outra. Na saída o ar de felicidade de ambos, exibindo orgulhosamente as alianças.
Muitos motociclistas receberam a honraria de seus coletes ou escudos e “Gringo”, pai coruja das duas “Anas”, ainda recebeu a comemoração especial pelo seu aniversário. Quem ainda diz que os motociclistas são frios e anti-sociais, certamente nunca estiveram numa irmandade como essa.
A VOLTA
Uma vez cumprido todo o programa, despedimos todos, ainda em Itanhaém, retornando cada qual para suas casas por seus caminhos distintos, embora muitos decidissem retornar em comboio para a capital. De nossa parte seguimos só, em direção da Jureia.
Gostaram? Querem mais? Então programem-se para o ano que vem, no 7º Evento no Nhamandu Mirim.
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Um agradecimento especial à todos os motoclubes envolvidos nesse projeto, especialmente ao Barba Negra´s da capital, que nos deu o suporte necessário durante todo o evento.
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CRÉDITOS
Texto e Edição: Marcos Duarte
Fotos e vídeos: Marcos Duarte
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