O segundo dia de nossa estadia em Nova Campina ainda estava “bombando”. Mal saíamos de um mirante e outro se desenhava a nossa frente. Era a vez dos últimos do dia, pois o pôr do sol logo se daria.
Deixando o Mirante do Estreito para trás, retomamos uma das inumeráveis estradinhas de terra entre os imensos cânions do sul do Estado de São Paulo, para a continuidade de nossas aventuras. Novamente galgávamos nossas motos pela terra vermelha ou sob as copas dos eucaliptos e dos pinheiros, que dão acesso às propriedades da região.
Juliano Camargo, nosso amigo, professor e monitor dos percursos que fazíamos no Projeto: Cânions paulistas, já seguia rápido na frente com sua pequena Bros 125. Nós seguíamos de perto com a Transalp 700 carregada, atentos para onde ele entraria a qualquer momento, já que era comum ele fazer isso conosco, em todo o tempo e sem qualquer aviso prévio.
Dito e feito! Num determinado trecho do trajeto, e de súbito, orientou-se nosso guia por uma “picada” fechada na mata. Onde será que ele iria desta vez, santo Deus!? Não fizemos de rogados nem corpo mole e o seguimos mato adentro, desviando de galhos e moitas imensas, como também “roçando” nossos baús laterais em toda vegetação por onde passávamos.
O chão era tão irregular naquele caminho, que boa parte do tempo tínhamos que pilotar em pé, para melhorar a estabilidade das motos, desviando com mais facilidade do terreno acidentado. Vários trechos eram desnudos, já que estávamos pilotando em cima de rocha sólida, em direção do Mirante da Borda, que Juliano garantia que era lindíssimo.
PEGADAS DE ONÇA
Já tínhamos deixado a estradinha principal há muito tempo e estávamos pilotando, agora, por enormes áreas descampadas. Ainda que conhecêssemos quase nada de Nova Campina, dava para perceber que estávamos no alto. Sim, estávamos bem alto quando Juliano resolveu parar sem mais avisos. Pediu silêncio e passou a revirar o piso.
Talvez pelo ronco das motos, ou quem sabe por outro motivo qualquer, ele percebeu nas proximidades barulhos de animais. Fomos juntos investigar de perto e encontramos algumas pegadas fresquíssimas, grandes e profundas na areia. Com certeza não era de um gato, mas sim de Onça. Será que Juliano era “amigo da onça”?
NO MIRANTE DA BORDA
Com o fim dos ruídos tranquilizamo-nos e seguimos mais adiante, por uma ou duas centenas de metros apenas. Estávamos exatamente na borda do mirante, ou melhor: No “Mirante da Borda”. Os raios solares já estavam oblíquos e despejando matizes em tons de dourado, enriquecendo a visão do vale e de tudo que nele estava naquela hora do dia.
Flores silvestres e deslumbrantes podiam ser vistas em vários pontos “da Borda”, contrastando com o cenário árido e com a vegetação rala sobre um piso extremamente rochoso e seco, como que a se imporem à mãe natureza sua vontade de existir, de encantar e de exalar seus perfumes característicos, ainda que de forma solitária e longe da vista de todos.
No alto daquele mirante também podíamos vislumbrar uma espécie de “jardim suspenso”, esquecido no tempo. Criado por si mesmo, tendo como mãe a natureza, alimentava-se do vento, saciava a sede com as chuvas e se aconchegava com o sol. Centenas de plantas, cujos nomes e características são desconhecidas para nós, encantavam o lugar, emprestando-lhe ternura e beleza.
Estacionamos nossas motos mais uma vez rente aos imensos paredões e fomos explorar o ambiente. Não teríamos muito tempo para ficar por ali, pois o tempo escoava ligeiro. Gostaríamos de ficar mais, no entanto nossa missão era colher a essência de cada recanto para transmitir à você, leitor amigo. Voltaremos lá, com certeza.
Mesmo com a pressa a comoção falou mais alto e acabamos passando longos minutos em sutil meditação. Com as pernas “jogadas ao ar”, pudemos desfrutar de alguma paz interna por repetidos minutos de reflexão íntima, contemplando toda a grandeza daquelas rochas sedimentárias e sobrepostas, caprichosamente desenhadas por Deus.
Juliano, pela primeira vez, parecia ter se esquecido da vida e de que estava ali para nos ajudar. Conciso, contemplava aquela obra da natureza de forma circunspecta e grave. Algo fervilhava em sua mente que não pudemos descobrir. Com certeza todos nós nos elevaríamos mentalmente num lugar maravilhoso daqueles, pura expressão da divindade.
Estávamos a observar a borda do mirante quando pudemos acompanhar o voo vagaroso de um gavião que cruzava os céus a baixa altura, quem sabe a procura de seu jantar vespertino. De onde estávamos podíamos vê-lo “por cima”, perscrutando todo o vale a procura de alimento, num deslumbramento de imagens, contrastada apenas com o imenso fundo verde da vegetação.
Não pudemos ficar mais tempo por lá, pois outros encantos nos aguardavam. Quem sabe esse não seria nem mesmo um bom lugar para acampar, porque poderíamos ter a infeliz visita de “dona onça” na noite escura, rasgando o nylon de nossas barracas e nos colocando em polvorosa. Melhor deixar de lado essa ideia.
Num dos Mirantes da Borda
NA TERRA… DE NOVO
Refizemos o caminho percorrido e na volta tivemos a grata surpresa de outra visão das escarpas, que não tínhamos percebido na chegada, já que nos preocupávamos “com a onça”. De qualquer maneira não poderíamos ficar mais tempo por lá ou perderíamos o pôr-do-sol imaginado por Juliano, no próximo mirante à ser visitado: o do Macaco.
As motos estavam enlameadas, mas tínhamos ainda muita trilha para galgar. Rodamos algum tempo no mato até chegarmos de volta na “estradinha principal”. Prosseguimos pilotando paralelamente aos paredões, alternando entre subidas e descidas íngremes, porém fazendo uso da força dos motores das máquinas para chegarmos com rapidez no próximo mirante..
De súbito Juliano parou num trecho bastante ruim do caminho de terra. Na subida, na curva e sem um “acostamento” adequado, deixaríamos as motos, agora, quase no meio da estrada. Para protege-la melhor, colocamos a Transalp numa “ribanceira” baixa. E tome pedras para colocar sob o pezinho lateral, para que a moto não afundasse na terra e caísse.
NO MIRANTE DO MACACO
Estávamos próximos ao Mirante, mas teríamos que andar um pouco para chegarmos. Esse mirante não se trata de algum paredão como até aqui encontramos, mas de uma coleção de rochas monumentais e nas quais poderíamos “brincar de alpinistas”. Algumas tinham formas bizarras, que podiam ser entendidas como nossa imaginação mandasse.
O terreno é bastante acidentado e é preciso ter muito cuidado no sobe e desce das pedras arredondadas. Não dá para termos o luxo de tropeçarmos, sentirmos tonturas e coisas assim. Cair lá de cima significa…o fim. Com certeza não teríamos conserto algum, no caso de queda e resgate eficiente seria quase impossível. Esportes radicais tem seus riscos.
Como crianças saltitamos entre todas as pedras possíveis do complexo do Macaco, mas dado a geografia do local não tínhamos muito contato visual entre nós, entendendo-nos apenas pela voz. Por um momento sentamos para apreciar a beleza da imensidão que se oferecia para nós, numa cena lúdica e surreal que prenunciava que o dia estava prestes a encerrar.
Revezamo-nos muito entre as pedras, sobre as quais podíamos ver, ao longe, os imensos paredões de alguns dos mirantes que estávamos horas atrás. Enquanto a luz suave do astro rei iluminava com a cor de ouro o lado oposto da paisagem que víamos, nós, naquele lado do Mirante do Macaco éramos mantidos numa sombra profunda.
Só agora entendíamos melhor a origem do nome do mirante, pois, independente de estarmos certos ou não dos motivos de seu batismo oficial, acabamos fazendo tantas “macaquices” sobre as rochas impávidas, que por si só justificariam o título. A brincadeira mais agradável era pular, apresentando o efeito de “se atirar ao precipício”.
Passamos algum tempo nessas peraltices de crianças, subindo e descendo pedras por todo o canto, mas Apolo já estava guardando sua “Carruagem do Sol” atrás da linha do horizonte, e nós terráqueos não poderíamos perder esse maravilhoso e diário espetáculo da mãe natureza, máxime num lugar como aquele, quase um Monte Olimpo em terras tupiniquins.
Entre as rochas dispersas na grande área do complexo do Macaco, seguimos cuidadosos por trilhas na mata verde, rumo ao lado oposto de onde estávamos, aguardando os derradeiros minutos de luz da nossa estrela mãe, nesse dia que se findava. As imagens eram inebriantes e os momentos passavam rápidos, muito mais rápidos do que gostaríamos.
Não se pode eternizar esses momentos, a não ser em nossa memória. Nem a mais bela foto desses instantes podem descrever a grandeza da criação que nos envolvia naqueles últimos lampejos de luz natural.
Aguardávamos sem piscar até que toda a esfera incandescente sumisse de nossas vistas, levando consigo seu calor, sua luz e sua beleza. Que outros povos, outras terras e outros mirantes como este, possam também perceberem o sublime e mágico momento que acabou de acontecer. Encerrado o espetáculo, cerramos também nossas cortinas.
Conheça o Mirante do Macaco
NA NOITE ESCURA
Agora ferrou! Cadê a luz para voltarmos? Como reconhecer os caminhos entre as pedras e chegar nas motos com segurança? Nós talvez tivéssemos jogado a toalha, mas eram nesses momentos que contávamos com a astúcia e o discernimento de Juliano Camargo, que já conhecia bem o trajeto e nos guiaria de olhos fechados.
Em pouquíssimo tempo chegamos às motos e a colocamos em ordem de marcha. Novamente motorizados voltamos a percorrer a estradinha de terra de outrora, sob os últimos fios de luz que ainda restavam no céu. Era impressionante ver as silhuetas dos rochedos, agora com ares fantasmagóricos, que praticamente pairavam acima de nós.
Não é possível descrever ao leitor amigo, ainda que com muitas ou belas palavras, a sensação inédita de estar ali, naquele exato momento que a luz do dia se esvanecia, cingindo o céu já quase enegrecido, com lampejos de cores bizarras, enquanto contornávamos sob rochas que pareciam seres descomunais. A íris da máquina fotográfica não conseguiu a fidelidade necessária.
Juliano até que tentou nos levar para outro mirante (???), e foi com grande esforço o demovemos dessa empreitada. Apesar da boa vontade e disposição, não conseguíamos ver mais que um metro a nossa frente. Tínhamos certeza que se tratava de outro belíssimo mirante, mas ficaria para outra oportunidade. Obrigado mesmo assim, Juliano.
Encerrando mais um dia
Por volta das 18:30h, já no escuro total, deixamos o vale dos cânions por outro caminho, agora em direção do “Barreiro”, bairro mais populoso da cidade e onde Juliano precisava “devolver a moto” ao Galdino Júnior, amigo e sócio de aventura. Galdino não pôde estar conosco nesses dias, por causa de seu trabalho, mas nos acompanharia no final de semana.
O segundo dia de aventuras literalmente acabou em pizza, numa das poucas lanchonetes da cidade que trabalha até mais tarde e até faz entregas. Pela primeira vez nesta viagem tomamos uma cerveja “com moderação”, afinal, o dia seguinte deveria nos aguardar em perfeitas condições e não poderíamos abusar.
Boa noite e continue nos acompanhando.
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CÂNIONS PAULISTAS
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CRÉDITOS
FOTOS: Marcos Duarte, Juliano Camargo e Galdino Júnior
VÍDEOS/EDIÇÃO: Marcos Duarte
CONSULTORES TÉCNICOS: Juliano Camargo e Galdino Júnior
Texto e Edição: Marcos Duarte
conheça também:
Bibliografia de suporte:
BLOG DO JULIANO – http://julianocamargo.blogspot.com.br/
SITE OFICIAL NOVA CAMPINA = http://www.novacampina.sp.gov.br/
Agradecimentos especiais
Juliano Camargo e Galdino Júnior por toda a assistência técnica no Projeto Cânions paulistas
Sra. Marisa Bernardo de Freitas = Secretária de Cultura e Turismo de Nova Campina
Sr. Nilton Ferreira da Silva = Prefeito de Nova Campina
Aos proprietários das terras e áreas onde fizemos nossa matéria, que gentilmente autorizaram nossa entrada de forma a contribuir com a divulgação das belezas naturais de nosso país.
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