13/02/2017
Rodamos parte de um dos seis trechos da Estrada Real, denominado “Caminho de Sabarabuçu”, desbravado há 300 anos na Serra da Piedade. Dos 160 quilômetros de extensão 36 são de trilhas e os outros 124 são estradas de terra.
Deixamos a capital mineira logo após o almoço, com destino a Caeté, e para isso tomamos o caminho mais curto, neste caso pelo bucólico trecho da Rodovia BR 262 que passa por Sabará, coladinha na Grande BH. Contornamos os grandes viadutos da metrópole e em poucos minutos já estávamos na arborizadíssima Avenida José Cândido da Silveira, ao lado do pulmão da cidade, o Parque Marcos Mazzoni, que nos levaria direto a Sabará, num percurso de menos de 10km.
A bela capital mineira vai deixando para trás seu lado imponente e a periferia em direção de Sabará vai perdendo gradativamente seu bom padrão de infraestrutura. Uma esquina aqui, um contorno ali e já estávamos na MG 05, no trecho de acesso à Rodovia BR 262.
Mal deu tempo de nos acomodarmos na motocicleta e a cidade de Sabará já se desapontava em nossa frente. Esperávamos muito mais dessa importantíssima cidade mineira, marco histórico de nosso país, quase toda relegada ao abandono.
Mais alguns kms percorridos e aí sim chegamos na “porteira da cidade”: O Centro de Atendimento ao Turista. Lá você poderá se inteirar com mais precisão sobre tudo que a cidade tem a oferecer ao visitante e, lembrando que Sabará foi construída no período de fartura das minas, as igrejas barrocas, com muitos detalhamentos em ouro, tem grande predominância na região.
EM SABARÁ
Santuário de Santo Antonio da Roça Grande
Margeando o Rio das Velhas está o Santuário de Santo Antonio, fundado em 1676 quando Borba Gato ali fixou base criando uma grande roça e uma pequena capela ao santo, exatamente onde hoje encontra-se o Santuário.
O acesso ao Santuário fica um km antes ao Centro de Apoio ao Turista, por meio de uma ponte sobre o rio. No entanto, é bom se prevenir e ligar antes para saber os horários de visitação, já que todo seu entorno tem difícil e incômodo acesso por uma vila bastante confusa. Não há infraestrutura organizada para receber visitantes nas adjacências.
Igreja do Rosário dos Pretos
Nosso próximo destino foi o mesmo de todo turista que vem conhecer a famosa Sabará: A igreja inacabada do Rosário, no centro da cidade. E para isso lá fomos nós rodando ladeiras e ruazinhas acima, lembrando sempre que o pavimento dessas cidades alterna entre paralelepípedos e pé de moleque.
Na verdade não há igreja pois, uma vez iniciada em 1768 foi abandonada com a abolição da escravatura, em 1888. As ruínas daquilo que poderia ter sido uma magnifica obra, protegem hoje a pequena e antiga capela feita em 1713, e que fica exatamente entre suas grossas paredes de pedras.
Ao que se sabe a obra foi iniciada pelos escravos da irmandade dos homens negros da Barra do Sabará, mas que não puderam dar continuidade para seu fim por falta de recursos financeiros e pela debandada dos negros, não mais cativos por força da Lei Áurea.
O mais doído para os visitantes é ver um monumento dessa envergadura todo abandonado, pichado e espoliado pela população que deveria preserva-la, se não para os forasteiros, pelo menos como um patrimônio da cidade.
A mesma Praça que abriga essa obra de arte em ruínas, como ocorre no Partenon de Atena, na Grécia, abriga também o Fórum da cidade, duas Escolas Estaduais, pontos de ônibus, taxi, lojas, etc. Um verdadeiro caos que põe em risco esse patrimônio e o chafariz que fica ao lado, que definham a olhos vistos.
Igreja do Carmo
A suntuosa Igreja do Carmo de Sabará agrega as tradições artísticas do barroco e do rococó e também é tombada pelo IPHAN.
Pelo que se conhece, o projeto da Igreja foi pelos riscos do mestre Tiago Moreira, porém a decoração do frontispício, portada, púlpitos, balaustrada, bem como a produção das estátuas de São João da Cruz e São Simão Stock, foram de autoria de Mestre Lisboa (o Aleijadinho).
O cemitério da igreja fica exatamente em sua frente. Um imenso portal abre caminho para um hall a céu aberto, onde há túmulos de pessoas ligadas a Ordem Terceira do Carmo, que mantem sua tradição secular em muitas cidades pelo Brasil.
Igreja Nossa Senhora do Ó
A pequena igreja, muitas vezes chamada de capela e de “Pérola do Barroco Brasileiro”, foi concluída no ano de 1720, sendo considerada uma das mais antigas do Estado. Sua estrutura externa é bastante simples, contrastando com o riquíssimo interior, todo talhado e revestido em ouro, o que lhe atribui o status de um dos mais preciosos monumentos do barroco brasileiro.
Não há muitos registros sobre sua construção e reformas, tampouco dos artistas que tomaram parte nessa empreitada. De tão pequena e baixa que é, nela só há o altar principal, todo entalhado a moda da época. Nas paredes laterais há pinturas que combinam perfeitamente com a proposta do artista que a concebeu.
As paredes do templo são feitas em adobe (antecessor dos tijolos) e revestidas em sua parte interna de madeira, onde estão estampadas obras de arte de rara beleza. No entanto percebe-se a direita de quem vê o altar, uma mancha em duas telas, denunciando restauro de desenho perdido.
A boca miúda tomamos conhecimento que essa marca nas telas da parede se deu por conta de um padre que mandou abrir duas janelas na parede, exatamente sobre as telas e sem preocupação com elas, de modo a arejar o ambiente. Como consertar o problema era impossível, várias versões menos traumáticas têm aparecido por aí, para minimizar o estrago.
Para quem não sabe e deseja saber, o nome “Nossa Senhora do “Ó” é uma referencia a quantidade de “Ós” ditos nas intermináveis ladainhas à Nossa Senhora, sempre precedidas por “Ó isso, Ó aquilo, Ó aquele outro”, seguido sempre de algum louvor ou agradecimento.
UM TOUR POR SABARÁ
A cidade de Sabará
Sabará tem muitos encantos como casarões quase intactos, chafarizes seculares, igrejas fantásticas, Casa de Ópera, Museu do ouro, enfim, tem a historia viva em cada esquina. É realmente uma pena estar tudo isso esquecido pelo poder público, que não cuida do entorno para que pessoas possam conhecer essa maravilha de cidade.
Foi ainda em Sabará que morreu Basílio de Brigo Malheiro do Lago, amaldiçoando o Brasil e os brasileiros, temendo ser emboscado pelos cantos da cidade, já que foi um dos principais delatores dos membros da Inconfidência Mineira, em troca da quitação de suas dívidas com a coroa, o que levou à forca Tiradentes e ao exílio dezenas de inconfidentes.
Não fossem as instituições privadas, como as congregações religiosas e as irmandades espalhadas por todo canto, nem mesmo essas maravilhosas igrejas estariam a ser desfrutadas por nossa gente.
Como o dia já estava chegando no fim, fizemos um pequeno passeio pelo centro e adjacências de Sabará, contornando com nossa motocicleta aquele piso irregular e escorregadio, mas admirando cada cenário vivo de nossa história e, como se estivéssemos voltado ao tempo, podíamos até vislumbrar vultos entre o casario ainda em pé.
RUMO À CAETÉ
Deixamos para trás a cidade de Sabará e tínhamos ainda mais 30km para percorrer até Caeté, viajando pela BR 262. A estrada é pista simples e de linhas serpenteadas em região montanhosa.
Rodamos aproximadamente metade desse percurso quando encontramos aquilo que nos parecia uma “estação de esqui”. Mas ali, no meio do nada e sem que soubéssemos com antecipação? Pois é. O grande pátio a beira da estrada pertence a empresa Anglogold, que tem permissão para a extração de ouro em várias minas da região.
O imenso estacionamento coberto, além de dezenas de veículos estacionados pelas redondezas, somado a um “teleférico” nos transmitiram a sensação de estarmos numa estação de inverno ou coisa parecida. No entanto o teleférico parte dali com destino a Nova Lima, num percurso de 18km, passando por outra mina da empresa (Mina Lamego) que fica no caminho.
As estimativas mostram que essa mina possa extrair cerca de 420T de minérios por ano, o que corresponde a 1,5T de ouro. Com essa proporção, para uma simples aliança de casamento, com cerca de 20g, é necessária a extração de 5T de minério, causando imenso dano ambiental.
RUMO À CAETÉ
Como sempre acontece conosco em nossas viagens, travamos contato com dois engenheiros da Hexagon Brasil, que prestavam serviços ali. Depois das cortesias de praxe o assunto que rolou mesmo foi a viagem que empreendíamos por aquelas terras mineiras.
Deu para perceber os olhos faiscantes de Rogério, cabelos longos ao estilo roqueiro, ao ver o projeto de nosso roteiro. Não coube em si e nos passou diversas dicas valiosas, até mesmo aquela em que disse que em São Thomé das Letras tem um túnel até Machu Pichu. (kkk)
Brincadeiras a parte, deixamos o pátio da Anglogold seguindo nosso caminho para Caeté, percebendo no trajeto outras áreas de mineração, literalmente cavoucando toda a Minas Gerais. Vamos ver no que isso vai acabar e quantas outras “Bento Rodrigues” sucumbirão. Porém, apesar de tantas escavações que podem ser vistas ao longo dos percursos nas Gerais, de tempos em tempos apreciamos um marco da Estrada Real disposto no caminho, relembrando ironicamente o passado, pois a devastação no entorno é gigantesca.
EM CAETÉ
Alguns minutos mais na estrada e chegamos a Caeté, cidade próspera e bastante agradável de se ficar. De imediato fomos encontrar um local para o pernoite, pois ainda aventuraríamos no dia seguinte até o Morro Vermelho. Roupas trocadas e tralhas guardadas, ainda daria tempo para conhecer a Serra da Piedade, ou melhor: o Santuário da Serra da Piedade (veja aqui), pois boa parte do trecho entre Sabará até Caeté, incluindo as mineradoras, foi feito por essa serra.
Caeté é uma das mais antigas cidades mineiras, fundada por volta do ano de 1704, na época do início da extração do ouro na região. Foi dessa cidade que partiu também os primeiros embates da Guerra dos Emboabas.
Igreja Matriz
Aproveitamos a noite em Caeté para conhecermos o casario iluminado e a bela Igreja Matriz de Nossa Senhora do Bom Sucesso, projetada por Antonio Gonçalves da Silva Bracarena, mas com relatos históricos mostrando ter sido realmente projetada por Manoel Francisco Lisboa, pai de “Aleijadinho”.
O templo foi construído no estilo barroco da época, mas sempre chamou a atenção pelas suas grandes proporções. Oito altares laterais, além do altar mor, estão distribuídos pela nave principal, todos com talhas douradas e demais ornamentos desse período. Ao que se sabe, o mestre Antonio Francisco Lisboa (Aleijadinho) trabalhou nessa obra ainda como um mero aprendiz de seu pai.
Igreja de São Francisco
Não há cidade mineira que não tenha ao menos uma capela consagrada à São Francisco de Assis e Caeté não seria diferente, pois possui duas. Nas proximidades da Igreja da Matriz está a pequena e antiga Igreja devotada ao santo.
Construída de pau a pique na segunda década do século XVIII, tem o formato singelo de uma capela com fachada chanfrada e torre central única, que abriga os sinos da igreja. Sua sagração oficial se deu em 1824, com os traslados das imagens do templo antigo para este.
Hoje essa igreja mantém a tradição do tempo do ouro, porém, existe uma nova Igreja de São Francisco, próximo do Estádio Municipal, construída no período contemporâneo ao nosso e é lá que se desenvolvem os trabalhos da comunidade católica da região.
TOUR EM CAETÉ
Curral de Rico
Como nem só de reza e passeios vive o homem, aproveitamos a noite amena e fomos cuidar do estômago. Para isso fomos convidados por motociclistas da cidade para conhecermos o Curral de Rico, nome dado ao ponto de encontro deles na cidade e certamente um de seus points preferidos
Não tem como errar. Fica na Avenida Carlos Cruz, em frente ao Ginásio poliesportivo da cidade. Lá o motociclista pode até acampar para continuar sua viagem, além de poder curtir som de primeira e tira-gostos fartos.
A noite foi muito bem dormida na cidade, o que nos renovou as forças para o dia que amanhecia. Sol, calor e um dia maravilhoso do feriado de finados para aproveitarmos. Deixamos nossa pousada e, como não podia deixar de ser, fomos visitar o cemitério local.
Igreja do Rosário (cemitério)
Essa pequena e bela Igreja fica no alto de uma colina e está rodeada pelo cemitério existente há 3 séculos, desde sua fundação em 1704. A igreja já ostentou o título de Matriz da cidade de Caeté e hoje é visitada constantemente pela população local e por peregrinos de fora.
O diferencial é que para se chegar a ela necessariamente você terá que entrar no cemitério e contornar alguns túmulos. Aliás, note-se ainda que há túmulos sob todo o piso da Igreja, relembrados com placas alusivas a pessoa do finado e a data do seu passamento. Nesse particular não dá para imaginar a cerimônia de um casamento noturno nessa igreja, mas soubemos que isso as vezes acontece.
Deixando em paz aqueles que já se foram e as crianças de uma congregação religiosa que lá estavam com seus pais e amigos para distribuir alegremente mensagens da “boa nova” aos transeuntes, rumamos em direção ao Morro Vermelho, região de muitas mortes fratricidas no passado.
CAMINHO DE SABARABUÇU
Um dos codinomes de Caeté é bastante feio: “Berço da Gerra dos Emboabas”. Esse título foi dado pois foi justamente em suas terras que aconteceram os primeiros lampejos da peleja belicosa.
Se torna equivocado dizer simplesmente que a guerra ocorreu entre paulistas, portugueses ou mineiros, vez que os motivos da tragédia versavam em seu fundo muito mais pela posse das terras ricas em ouro, prata, e outras riquezas naturais ali encontradas, do que sobre a origem de quem as detinham ou as desejavam.
O Morro Vermelho
Vermelho da cor da terra, vermelho da cor do sangue. Nesse Distrito de Caeté, ainda nos “Caminhos de Sabarabuçu”, é que foram dados os primeiro tiros da Guerra dos Emboabas, que se alastrou por dois anos pela região.
Hoje o local abriga uma pequena e pacata vila enterrada na Serra da Piedade, vivendo seus moradores da agricultura e do turismo, já que a região é próspera em belezas naturais. A cachoeira de Santo Antonio é a mais procurada e recebe turistas do Brasil inteiro que vem de moto, a pé, de bike, carro, cavalo, enfim, da forma que puderem.
Seguimos o trecho de terra de aproximadamente 10km e ficamos deslumbrados com o lugar. Onde o ser humano veio guerrear, meu Deus!!! Infelizmente não tivemos como ir à cachoeira naquela manhã, pois depois de tantas chuvas no dia anterior, nossa moto não transitaria por ali e já estávamos com o regresso programado para logo mais.
NO MORRO VERMELHO
Retornamos à Caeté por volta do meio dia e após o almoço remontamos nossa moto para a viagem que continuaria pelos sertões de Minas Gerais, cada vez mais vivo dentro de nós.
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CRÉDITOS
Texto e edição: Marcos Duarte
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