Nosso segundo dia de estadia em Nova Campina, no Projeto: Cânions paulistas, amanheceu com sol forte e sem nuvens no céu. Nas primeiras horas da manhã já nos atrevíamos a rasgar a natureza com nossas motos.
A SAÍDA MATUTINA
Acordamos bem cedo naquele dia. Antes das oito horas o café da manhã já estava tomado e as motos preparadas, desta vez com boa quantidade de frutas, lanches, água e suco para o dia todo. Nada mais tínhamos à esperar naquela manhã. Deixamos o centro de Nova Campina pela região sul, trafegando por terra já nas imediações de sua área urbana.
Como no dia anterior, Juliano Camargo, nosso guia e professor de geografia, seguia na frente com sua pequena e valente Honda Bros 125cc. Nós, por nossa vez, seguíamos de perto com a Transalp 700 e em pouco tempo já estávamos contemplando, ainda que distante, a famosa “Pedra da Espanhola”, que mal parecia um “cisco” no horizonte.
O percurso seguiu como no primeiro dia, por estradas de terra batida bem conservadas e entre eucaliptos e pinheiros. A secura do ambiente do início do trajeto, alternava com o frescor das árvores e dos pequenos riachos por qual passávamos de vez em quando, gelando nosso corpo naquela manhã de inverno do mês de agosto.
O prazer de estar naquele lugar, acompanhados sempre pelas muralhas de pedra ao longe, fazia com que parássemos constantemente para uma observação mais apurada daquelas paisagens estonteantes e para tirarmos fotos de tanta beleza. Nesse momento do passeio o frio continuava forte, apesar do dia ensolarado.
Acompanhe esse trecho
OS FORNOS DA FRACAROLLI
Distante cerca de 15 km do centro da cidade estava nosso primeiro destino do dia: A Fazenda Fracarolli. A princípio, que graça teria visitar uma fazenda no meio do mato? Nenhuma. Entretanto, estávamos bem a frente de uma estrutura arquitetônica e histórica que nos impressionava bastante: As ruínas dos fornos da fábrica de cal.
Uma estrutura de alvenaria feita em cimento armado, com cinco câmaras para “assar” argila especial, própria para a fabricação do cal utilizado na construção civil, erguia-se imponente. Mantinha-se impecável, como se estivesse recém construída, sem uma mínima infiltração de água e com seus ferros aparentes, sem qualquer indício de ferrugem.
Conta-se que o material de construção, incluindo cimento, ferragens e aquelas “telhas” que pareciam eternit, mas que não quebram, foram trazidas da Itália. Soubemos, também, que as formas geométricas dos fornos fazia lembrar propositadamente os contornos de um navio, fruto de imagens retidas na memória de Lauro Fracarolli e sua esposa, que inspiraram sua execução.
Ao lado desse forno feito em cimento, outra estrutura para o mesmo fim complementava o projeto original, com a finalidade de aumentar a produção de cal então bastante requisitada na época. Esta nova obra, embora geminada com a outra e lembrar-lhe os feitios, foi construída em tijolos comuns e conta com apenas quatro câmaras de “assar”.
O inusitado é que a construção original, de cimento, foi concluída em 1945, e a segunda feita aqui no Brasil, tempos depois. No entanto, a parte nova do forno, feita com tijolinhos vermelhos, está quase destruída totalmente, mal podendo informar visualmente do que se tratava, e a antiga poderia ser usada hoje, sem qualquer necessidade de reparo.
Como a fábrica ficou ativa por apenas 10 anos, a razão faz lembrar que a estrutura em cimento está abandonada há precisamente 60 anos e a de tijolinhos um pouco menos de tempo. Como pode, então, a primeira construção estar impecável, parecendo que ainda está sendo construída, e a outra quase desfeita em ruína? A resposta é simples: Qualidade!
Chegando na Fazenda Fracarolli fomos recebidos com bastante alegria e entusiasmo pelo Sr. José(70) e Dona Regina, caseiros responsáveis por guardar aquele patrimônio particular, no entanto de cunho público e histórico do que representou a mineração extrativista nos idos tempos de Nova Campina, quando ainda era Distrito de Itapeva.
Subimos a estrutura dos fornos e pudemos constatar a qualidade dos materiais e da mão de obra empregada nos dois estágios de construção, verificando que sequer um mofo é encontrado no interior das ditas “cabines” de cimento, ainda que expostas ao tempo, sem portas, escoamento de água e coisas assim. A primeira vista parece até estar em plena atividade.
Dentro daquelas “cabines” sem portas, com uma abertura redonda a lembrar escotilha náutica, encontramos vários desenhos gravados nas paredes, executados pessoalmente pelo antigo proprietário no dia seguinte ao fechamento da fábrica. Passado seis décadas as imagens estão perfeitas, e mesmo as porcas pichações não tiveram o condão de desnatura-las.
Conheça os fornos da Fracarolli
A VIDA SIMPLES DA FAZENDA
Lá do alto temos uma noção exata de toda a propriedade, que abrigava uma pequena vila de empregados, área de extração de minérios e lagoa. Bom saber que na frente da propriedade há a nascente de um pequeno rio que corre por cerca de 1km até o Rio Taquari Guaçu, que também passa pela fazenda a curta distancia de onde estávamos.
Conversando informalmente com o Sr. José, cujo pai trabalhou nos tempos áureos da Fábrica de cal, ele nos contou que ali reside com a esposa e poucos outros vizinhos. Boa parte das antigas casas da vila, onde moravam funcionários da empresa quando estava ativa, estão abandonadas ou destruídas no meio da mata.
Conta que não tem água encanada em casa e que não sente muita falta dessa comodidade. Confirmamos isso, pois a água que nos foi servida veio da nascente, na beira da estradinha, e estava ao lado da cozinha, numa lata. E tem mais. É lá mesmo, numa área vizinha da mina, equipada com uma tábua velha, que dona Regina lava louça e roupa.
Banheiro com água quente? Jamais. “Banho lá é no lago”. Faça chuva ou faça sol, com frio ou calor, banho é sagrado e água nunca falta. “Seu Zé” conta que quando faz frio vão tomar banho por volta do meio dia; e quando chove, vão de guarda chuvas. No entanto complementa que quando retornam à casa, tem que lavar os pés de novo.
Alegre pela visita inesperada que lhe fizemos, “Seu Zé” levou-nos por boa parte da propriedade da fazenda, mostrando o exato lugar onde ele a a esposa se banham diariamente, e conduzindo-nos floresta adentro, rente ao riacho, até o encontro das águas com o Rio Taquari Guaçu. Pela idade que tem caminhava como um menino na mata densa.
Boas risadas demos com a forma simples e sincera com que o anfitrião nos brindava naquela manhã, rindo muito quando se referia que os pequenos peixes do lago não “estrovavam” quando tomavam banho. Tal simplicidade jamais pode ser traída por nós, sob pena de macularmos nossa consciência com a inocência e pureza de uma vida rude, porém honesta.
Aos 70 anos de idade, para ir à cidade o Sr. José não despreza as próprias pernas. Segundo ele, leva pouco mais de uma hora para chegar à Nova Campina em dia bom, tempo esse que dobra quando tem que ir com a esposa. Fizemos várias fotos do casal em sua residencia e prometemos que as levaremos pessoalmente à eles, como forma de agradecimento pela acolhida.
Como acontece em muitos outros lugares aqui em Nova Campina, a Fazenda Fracaroli é uma propriedade particular que só pode ser visitada com autorização especial. Aqui vale a dica: Seu Zé, caseiro responsável pela área dos fornos, pode lhe proporcionar boa conversa e é a pessoa indicada a lhe acompanhar por lá, quando for a passeio.
Mas não se enganem! Apesar da idade e da vida simples que leva na região rural da cidade, tão logo se viu um tanto distante de nós passou a examinar atentamente as motos, para depois, eufórico e impressionado, vir com muitas perguntas sobre: como funciona? porque não conseguiu ver o velocímetro (já que é digital)? Quanto corre? É boa? E outras coisas assim.
Vamos conhecer um pouco deles?
NA PEDRA DA SANTA
Depois da recepção que tivemos naquele lugar, chegou a hora das despedidas. Novamente nas motos rumamos montanha acima, para a “Pedra da Santa”, na mesma propriedade da Fazenda Fracarolli. O local era estratégico e garantia uma vista magnifica dos cânions. Desse ponto víamos a “Pedra da Minerita” por outro ângulo, muito mais próxima e bela.
As subidas passaram a ser mais íngremes, mas as máquinas potentes “tiraram de letra”. Revirando a terra solta com cascalho natural, os pneus tracionaram a ladeira acirrada e em poucos minutos estacionávamos as motos junto ao monumento rochoso, convertido em pequena capela aos devotos da região: A “Pedra da Santa”.
O nome do lugar deriva do nicho introduzido na imensa rocha de arenito, com a imagem de Nossa Senhora. Ao lado da pedra e ao pé da santa, escadas rústicas e danificadas serviam de acesso. Tomamos a escada lateral e lá no alto percebemos estar num dos milhares de mirantes da região. Foi um dos poucos lugares com pichações que encontramos por lá. Uma pena.
Mais gente deve frequentar com assiduidade aquelas plagas, já que alguns cataventos recentes giravam vigorosamente ao sabor da brisa forte que sentíamos lá no alto. Ficamos por algum tempo contemplando a natureza e a vista incrível da região, descampada entre os imensos paredões de pedra. Logo seguimos para outro recanto.
Um pouco da Pedra da Santa
O MIRANTE DA ESTRADA
O dia prometia estar cheio de novidades, com muita coisa para se ver e muita rocha para subir. Mas o ápice daquele passeio ainda estava por vir e era lá que lancharíamos, antes de continuarmos nossa aventura daquele dia. Novamente ligamos nossas motos e nos preparamos para continuar montanha acima, sempre para o alto e avante. .
A aparência era de estarmos transitando por uma estradinha de sítio qualquer, daquelas que tem muita “costela de vaca”, pedregulho e terra fofa, normalmente com um morro de um lado e uma mata do outro. O diferencial é que se de um lado o morro era real, do outro a mata apenas escondia verdadeiros e gigantescos abismos.
Não haveria problemas sérios se escorregássemos com a moto do lado do morro. No máximo poderíamos arrumar alguns arranhões nos braços e pernas. Porém, se pendêssemos a moto para o lado da mata a coisa ficaria feia. Poderíamos até nos precipitar em furnas profundas, já que percorríamos rente a muitos daqueles paredões iguais aos que víamos de longe.
Quase no topo da subida fizemos uma nova parada. Dessa vez deixamos as motos ao lado da estrada e adentramos na mata para visitarmos o Mirante “da Estrada”. Pequeno, escondido, só quem é da região o conhece, até porque é difícil estacionar um veículo em suas proximidades. De lá a vista da “Pedra da Minerita” mostrava uma imagem surreal: Uma torre entre o cânion.
Caminhamos entre a mata e pedras por menos de 30 metros e nos acomodamos num rochedo arredondado, no qual pudemos descansar, desfrutando de sombra e de uma vista magnífica. As motos estavam perto e era possível avistar parte delas de onde estávamos, garantindo-nos sossego, já que a estrada é estreita e há fluxo de constante de caminhões.
Aproveitamos o momento de tranquilidade para “desenrolar um pouco mais a língua do nosso anfitrião”. Como professor de geografia eficiente que é, e conhecedor de minerais e de quase todo vale de Nova Campina, Juliano poderia nos elucidar muito mais coisas sobre o lugar que agora estávamos, sempre contornando a famosa “Pedra da Minerita”.
De volta às motos aproveitamos para nos hidratar e comermos algumas frutas, afinal, já passava das 11 horas. Um suco e algumas bananas prata foram suficientes, pois não desejávamos nos atrasar para nenhum atrativo programado. Aqui fizemos como um bom escoteiro: jogamos as cascas das frutas no mato e recolhemos conosco o lixo inorgânico.
Conheça o Mirante da Estrada
De agora em diante nosso passeio teria outro rumo. Bonita e mais ousada, a visita ao “Mirante do Estreito“ talvez tenha sido o mais incrível passeio que tivemos nesta viagem.
Continue acompanhando nossas aventuras neste Projeto: Cânions paulistas.
ACOMPANHE AQUI TODAS AS AVENTURAS DO NOSSO PROJETO:
CÂNIONS PAULISTAS
TODA A SAGA DOS CÂNIONS (em quadrinhos) AQUI
Gostou da matéria? Faça um comentário e envie-a aos seus amigos.
Não gostou? Envie-nos então suas críticas ou sugestões.
CLIQUE AQUI PARA VER TODAS AS FOTOS
CRÉDITOS
FOTOS: Marcos Duarte, Juliano Camargo e Galdino Júnior
VÍDEOS/EDIÇÃO: Marcos Duarte
CONSULTORES TÉCNICOS: Juliano Camargo e Galdino Júnior
Texto e Edição: Marcos Duarte
conheça também:
Bibliografia de suporte:
BLOG DO JULIANO – http://julianocamargo.blogspot.com.br/
SITE OFICIAL NOVA CAMPINA = http://www.novacampina.sp.gov.br/
Agradecimentos especiais
Juliano Camargo e Galdino Júnior por toda a assistência técnica no Projeto Cânions paulistas
Sra. Marisa Bernardo de Freitas = Secretária de Cultura e Turismo de Nova Campina
Sr. Nilton Ferreira da Silva = Prefeito de Nova Campina
Aos proprietários das terras e áreas onde fizemos nossa matéria, que gentilmente autorizaram nossa entrada de forma a contribuir com a divulgação das belezas naturais de nosso país.
QUER SE AVENTURAR?
sObRe RoChAs? Contate antes o grupo de apoio de Juliano e Galdino e tenha uma estadia perfeita em Nova Campina (15) 9-9606-3441