Mal nos instalamos na cidade e a aventura teve seu início. Com a tralha guardada trocamos de roupa e tratamos de abastecer as motocicletas para nossa primeira aventura.
A cidade deixou a desejar: O único posto de combustível estava desativado. O que fazer então? Essa era a nossa pergunta e a de todos os moradores do local. A saída foi pilotar 20 km até a vizinha Itapeva para abastecer. Então, para quem vem à Nova Campina, o macete é abastecer antes de chegar, pelo menos até o posto voltar a funcionar. Vamos esperar.
Nossa vantagem é que tínhamos como guia, para todos os dias que ficamos por lá, ninguém menos que Juliano Camargo. Pós graduado em Geografia Física, é também técnico em mineração e metalurgia, e a figura mais conhecida na cidade, responsável direto pela divulgação de Nova Campina ao Brasil e ao mundo, por intermédio de seu blog pessoal que não para nunca.
Motos abastecidas, espíritos ávidos de novas aventuras, não perdemos tempo e seguimos para o Cânion. Na verdade, seguimos de moto para um dos milhares de Mirantes, Paredões e Pedras que os escarpamentos oferecem ao longo de seus 260 km de extensão, como viemos a saber pelo nosso novo amigo e cicerone, Professor Juliano Camargo.
MIRANTE DO CEDRO
Percorremos poucos kms no asfalto, pois nossos passeios ocorreram sobre a terra vermelha e solta, que foi o piso natural durante todos os dias de nossa estadia. Com pneus especiais criamos muita poeira no percurso, exceto entre os eucaliptos e pinheiros, onde havia muita sombra, ar refrescante e o clima ameno, comum sob as copas dessas árvores.
Para quem está conhecendo a cidade de Nova Campina pela primeira vez nesta matéria, é bom saber que quase toda a região dos cânions, mirantes e cachoeiras, estão em propriedades particulares ou em áreas de reflorestamento com controle de grandes empresas. É preciso pedir permissão antecipada em muitas delas para que possamos visitar.
Nosso salvaguarda Juliano seguia na frente com uma novíssima Bros 125 cc, pilotada por maestria por quem conhece motos e o local que estávamos. Nós íamos atrás, com a Transalp equipada com dois baús laterais: um para os proventos diários (já que não voltaríamos à cidade durante todo o dia), e outro para os equipamentos de foto e vídeo.
RUMO AO MIRANTE DO CEDRO
A pouquíssimos km da cidade já estávamos no nosso primeiro e mais importante passeio do dia, o Mirante do Cedro, que faz parte do conjunto denominado “Mirantes do Meio ou da Mina”. A contar pela beleza estonteante do lugar, seu acesso é desanimador e preocupante, dada a devastação da mata por máquinas mineradoras. Um caos ao lado do paraíso.
Milhares de toneladas de rochas já foram retiradas do local e outras milhares serão levadas em pouquíssimo tempo, por equipamentos impiedosos que não víamos no momento, mas que deixaram seu rastro malévolo impregnado nas entranhas da terra. Segundo moradores dos sítios lindeiros, uma muralha inteira foi destruída nesse processo.
Esse foi o único Mirante que visitamos para esta matéria, que não chegamos bem perto com as motos. Tivemos que deixa-las na beira da estradinha, a mais de um km dali, no meio do nada. A partir delas caminhamos pesarosos entre o “deserto de terra branca”, subindo bravamente as encostas calcárias até o alto ainda intocado, não sabemos até quando.
A primeira impressão que tivemos lá em cima foi a de que descobrimos “o infinito”! Descortinando em nossa frente, sob nossos pés, um imenso desfiladeiro que teve sua formação a bilhões de anos atrás (isso mesmo), e que se estende desde pouco antes da cidade de Nova Campina, até a região de Ponta Grossa, no Paraná. É surpreendente como tudo aquilo parece não ter fim.
O início do gigantesco cânion, 8º maior do mundo, passa por toda a extensão da cidade e, de onde estávamos, podíamos ter um campo de visão bastante longo, por muito mais de uma dezena de kms no horizonte. Para nossa sorte, em todos os dias que lá estivemos o sol se fez brilhar de forma magnífica, realçando a beleza também natural das escarpas.
Uma picada entre a mata aqui, uma subidinha entre as pedras ali, uma pequena escalada acolá, e em minutos desfrutávamos de grande conforto sobre uma coleção de muitas rochas arredondadas, nas quais podíamos mirar o horizonte de forma privilegiada, obviamente com o cuidado necessário para não cairmos daquela altura toda.
A luz do sol já se tornava oblíqua, fazendo cada rocha distante apresentar uma textura inimaginável, inebriante, intangível… Embevecidos ficamos a contemplar tanta beleza, espalhadas em forma de monumentos feéricos. Ao longe notávamos a imperturbável “Pedra da Minerita”, uma rocha chamada de “testemunho da criação do mundo”.
Mas, no meio de nossa meditação não pudemos deixar de reparar a expressão grave de Juliano. Nascido e criado “entre as rochas”, mantinha-se absorto e pensativo, cujo fluxo mental do momento não precisava de palavras para externar. Um misto de contemplação, pela beleza a frente; e de preocupação, pela devastação atrás.
Foi nesse emaranhado de emoções que convidamos Juliano para uma entrevista sobre o imenso mirante.
Aprendendo no Mirante
Ficamos a contemplar mais um pouco aquela beleza, que jamais imaginávamos existir assim tão perto de nós, mas existiam ainda outros atrativos para aquele resto de dia, que já começava a findar. Juliano seguiu na frente e o retorno até as motos foi silencioso, já que voltamos ver a mata destruída pelas mãos humanas.
SÍTIO ALTO DA PEDRA
Como já era de se esperar numa situação dessas, o primeiro dia de passeio não poderia ser perfeito. No vai-e-vem dos preparativos para a aventura, acabamos deixando na cidade os víveres e, principalmente, a água potável. Solução? Procurar uma bica d´água ou vasculhar pela vizinhança, em busca de alguma alma bondosa para nos dar de beber.
Para Juliano, entretanto, não havia qualquer problema. Em menos de 5 minutos aportarmos no Sítio Alto da Pedra, a algumas “curvas” dali. A chegada foi meio tensa, pois sua dona não gosta de “motoqueiros”. Como lá havia muitos “cachorros nervosos” (e não Loko), buzinamos bastante antes de transpormos a porteira e entramos com cuidado.
Pelas frestas da porta de vidro Dona Irene só observava. Quem estaria ali? E….de moto?! E assim permaneceu até que descêssemos das máquinas e tirássemos os capacetes. Menos arredia, reconheceu nosso guia Juliano (aliás, quem não o conhece por lá?) e que ele não “oferecia os perigos dos motoqueiros”. Abriu a porta e nos recebeu com um sorriso no rosto.
Quem ler assim essas palavras pode entender que D. Irene é “bicho do mato”, “matuta” ou algo do gênero. Puro equívoco. Presidente da Associação dos Apicultores de Nova Campina e de Itapeva, é mulher instruída, decidida e elegante, estando sempre envolta em atividades nobres. Com muita segurança e senso administrativo, comanda com rigor sua propriedade.
O desgosto que tem com os “motoqueiros” vem da triste constatação que muitos desses esportistas, adeptos do motocross, ainda cortam suas terras sem permissão, destruindo nascentes e “fios d´água” com seus pneus travados; danificam plantações, além de assustarem e até matarem animais com suas “maquinas infernais e barulhentas”.
Mas o que muito nos surpreendeu no Sítio foi o “gigantesco muro de pedra” que cercava seu curral: Nada modesto, nem discreto. O paredão com cerca de 100 a 150 metros de altura realmente impressionava, além de se tornar uma especie divisa natural para que o gado não se extraviasse. A parte alta do rochedo também faz parte da propriedade.
Vários caixotes de abelhas podiam ser vistos a distância e serviam para a produção de mel. Dona Irene já tentou manter no local uma pousada; servir refeições à turistas, aventureiros; e até mesmo deixar sua fazenda para ser contemplada por visitantes de muitas localidades que desejam conhecer os Cânions. Mas conta, também, que a experiência foi amarga.
Segundo ela, nem os turistas, nem os monitores ambientais que os acompanhavam, deixavam de danificar sua propriedade, colher plantas, assustar animais, sem contar com a responsabilidade que sentia ter para com eles, dado as características da topografia, bem como por cobras e outros animais perigosos ou mesmo as inúmeras abelhas, típicas da região.
D. Irene tem muito orgulho de onde vive e diz que o lugar já vem de outras gerações, referindo sempre as belas encostas de seu sítio. Segundo ela, quando chega de carro a noite, vindo da cidade, em muitas vezes pôde perceber reflexos nos paredões, oriundos da fosforescência dos líquens expelidos pelas plantas. “É lindo ver tudo aquilo brilhando a noite”.
Fartamo-nos de água pura e um pouco de mel gentilmente cedido por ela e nos despedimos, já que o final do dia não tardaria. Foi na saída da porteira que conhecemos “seu Carlos”, esposo de D. Irene e coadministrador da Fazenda, que eles insistem chamar de Sítio. Ao contrário da esposa, para ele o mundo é só felicidade.
NAS CORREDEIRAS DO TAQUARI GUAÇU
Até agora percorríamos muitas estradinhas estreitas que dão acesso aos sítios e fazendas da região, e pelas quais chegaríamos a muitos Mirantes espetaculares. Mas, em certo trecho do caminho nosso guia nos surpreendeu, pois simplesmente derivou de abrupto à esquerda e se embrenhou literalmente no mato de mais de um metro de altura, com sua pequena Bros.
Não nos fizemos de rogados e seguimos de perto com a seguinte frase em mente: “Se ele vai, vamos também… Se ele afundar em alguma pedra, dá tempo de parar e voltar antes, sem cometer o mesmo erro”. Juliano seguia ligeiro a aproximadamente 20 metros a nossa frente, pilotando com desenvoltura, mas vez ou outra “sumindo entre o mato alto”.
Acompanhe a trilha
Estacionamos as motos sem preocupação alguma. A não ser que alguma onça viesse até ela, com certeza não seriam “roubadas” por ninguém. O som característico de trem se fez ouvir de longe, mas deu tempo de atravessarmos os trilhos antes de sua chegada. Por ali passa a ferrovia que vai para Apiaí e região, em quilométricas composições ferroviárias.
A caminhada também foi longa e íngreme entre a floresta, mas logo chegamos a uma verde pastagem (literalmente). Do descampado verdejante se podia ver muitas muralhas ao redor, mostrando que estávamos chegando as margens do Rio Taquari Guaçu, que vai recebendo pequenos afluentes entre os cânions, e avolumando-se até chegar ao Rio Taquari.
A nossa frente estava uma das regiões mais bonitas por onde o rio passa, entre corredeiras e pedras escorregadias. O farfalhar das águas era refrescante e com certeza sede não teríamos naquele lugar. O sol já quase não podia ser visto de onde estávamos, o que fez com que apressássemos no passeio, sem podermos curtir um pouco daquela refrescância toda.
Muito embora aquelas águas borbulhantes estivessem convidativas para um bom banho, não podíamos esquecer a longa caminhada na mata que nos aguardava, e que estávamos ainda longe da cidade, tendo longo trajeto a percorrer de moto. Apertamos o passo para o retorno, deixando para trás as lindas margens pedregosas do pequeno rio.
Nas águas do Taquari Guaçu
O FECHAMENTO DO DIA
Este primeiro dia foi o único onde precisamos caminhar bastante para chegarmos aos destinos planejados, deixando as motos de lado. A organização logística de Juliano levou em conta a vantagem de que todas essas paragens estavam bem próximas do centro urbano de Nova Campina, e não demoraríamos muito tempo para retornarmos.
Juliano Camargo, que estava com “todo o gás”, evidentemente esqueceu que nós já nos aventurávamos pelas estradas paulistas desde a madrugada do dia, em busca daquelas terras magníficas, quase na divisa com o Estado do Paraná. Estávamos muito cansados naquela hora do dia e ainda tínhamos muito à fazer e a rodar, já com o sol se pondo.
Com as motos a vista nossas pernas aliviaram: “estavam doloridas e prestes a bambearem”. Montados, retornamos por outro caminho escolhido por Juliano, que queria nos mostrar todas as belezas possíveis de sua terra natal. O sol despejava seus últimos raios dourados sobre nossas costas, quando deixamos aquelas campinas verdejantes.
Nem bem terminava a primeira aventura e já estávamos com saudades daquelas estradinhas de terra, daquelas rochas deslumbrantes, daquelas águas borbulhantes. Com o fim do dia, e já com o sol posto, chegamos de volta a cidade, onde éramos objetos de curiosidade de muitos, por causa das câmeras sobre o capacete e o tamanho da moto, não usual por lá.
RETORNO NO FIM DO DIA
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CRÉDITOS
FOTOS: Marcos Duarte, Juliano Camargo e Galdino Júnior
VÍDEOS/EDIÇÃO: Marcos Duarte
CONSULTORES TÉCNICOS: Juliano Camargo e Galdino Júnior
Texto e Edição: Marcos Duarte
conheça também:
Bibliografia de suporte:
BLOG DO JULIANO – http://julianocamargo.blogspot.com.br/
SITE OFICIAL NOVA CAMPINA = http://www.novacampina.sp.gov.br/
Agradecimentos especiais
Juliano Camargo e Galdino Júnior por toda a assistência técnica no Projeto Cânions paulistas
Sra. Marisa Bernardo de Freitas = Secretária de Cultura e Turismo de Nova Campina
Sr. Nilton Ferreira da Silva = Prefeito de Nova Campina
Aos proprietários das terras e áreas onde fizemos nossa matéria, que gentilmente autorizaram nossa entrada de forma a contribuir com a divulgação das belezas naturais de nosso país.
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