A pequena Vila Inglesa de Paranapiacaba, no alto da Serra do Mar e entre as cidades de São Paulo e Santos, tem aguçado a imaginação de muitas pessoas e não é para menos, conforme poderemos ver nesta matéria especial que fizemos por lá.
HISTÓRIA
A vila surgiu como um centro de controle operacional e residência de funcionários da Ferrovia São Paulo Railway, que transportava passageiros e cargas entre o interior do Estado de São Paulo e o porto de Santos, cuja fundação remonta a meados dos anos 1800.
O nome Paranapiacaba é originário do tupi e significa algo como “o lugar de onde se vê o mar”, já que em dias sem nuvens é possível ver a orla do Oceano Atlântico em suas partes mais altas.
No entanto, seu primeiro nome, também originário do tupi, foi Capetevar , que significa algo como “a montanha mais alta”, tanto que a Estação era denominada Alto da Serra.
A idealização da ferrovia partiu do Barão de Mauá, um dos primeiros acionistas do grupo São Paulo Railway. A responsabilidade pela execução do projeto coube ao engenheiro inglês Daniel Fox.
O sistema proposto para que os trens subissem em descessem a Serra do Mar era o funicular, fixando-se nas composições um sistema de cabos, polias e máquinas gigantes, fazendo um trem descer ao litoral enquanto outro, em sentido inverso, subia a serra, ambos sincronizados no mesmo sistema de modo a promover a necessária segurança no percurso.
Apesar da excelente engenharia do sistema funicular empregado em Paranapiacaba, vários acidentes foram registrados com rompimento de cabos, em especial um ocorrido no ano de 1956 e que ficou registrado nos anais da história, tendo como herói o funcionário Romão Justo Filho que evitou o descarrilhamento de uma composição, salvando cerca de 150 vidas de passageiros mas que custou a sua própria no episódio.
Com o progresso certo no transporte de riquezas naquele trecho, a companhia inglesa fez construir uma vila somente para os funcionários, toda ela feita em madeira e no estilo inglês, que passou a ser chamada de Paranapiacaba desde o ano de 1907.
A vila foi incrementada com mercado, posto de saúde e até um campo de futebol, afinal esse esporte nasceu em terras britânicas e ali era uma vila com vocação inglesa.
Para honrar a tradição um belíssimo clube também foi montado na vila que, além de manter um time futebolístico dentro das características daquela época, também era um local de recreação da comunidade, onde podiam assistir a filmes, musicais e participarem de bailes diversos.
Sabe-se que a concessão da ferrovia aos ingleses foi objeto de muita controvérsia, tendo sido classificado como criminosos os incêndios na Estação da Luz, no centro de São Paulo, em 1946, e em Paranapiacaba, no ano de 1977, lembrando ao leitor que este repórter, por diversas vezes nos finais dos anos 70, usou dessa ferrovia e desse sistema funicular, para deslocamento até o litoral para acampar com amigos.
A parte boa é que o grande relógio da estação, uma réplica em pequena escala do famoso Big-Ben de Londres, foi poupado do evento criminoso e acabou sendo deslocado posteriormente para uma torre mais alta e segura, a que conhecemos hoje.
Durante o tempo que os ingleses comandaram a Estação Funicular de Paranapiacaba, fizeram construir uma mansão que servia como centro de controle operacional da companhia, mas também de residência de seu engenheiro chefe.
Hoje em tal edifício funciona um museu da ferrovia, guardando, além de uma acervo de equipamentos utilizados naquela época, a própria estrutura notável do imóvel, também construída em madeira importada da Inglaterra e fixada em base de alvenaria.
O local é atualmente chamado de Castelo, Castelinho, Casa do Engenheiro, Museu do Castelo, etc. e muita lenda aponta o imóvel como assombrado até os dias atuais, razão pelas quais muitos moradores evitam a região.
Paranapiacaba tentou, alguns anos atrás, buscar sua independência político/econômica, emancipando da cidade de Santo André, embora sem qualquer êxito, permanecendo como seu distrito dileto.
A PARTE ALTA
Com seu jeito todo particular de ser, podemos notar na vila uma parte alta e uma parte baixa. A “parte alta” fica onde há a Igrejinha do Bom Jesus de Paranapiacaba, tendo como anexo um pequeno cemitério em franco declive, serra abaixo.
A igreja Matriz do Bom Jesus de Paranapiacaba era chamada, originalmente, de Capela do Alto da Serra, sendo que a primeira missa por lá ocorreu em 8 de agosto de 1884, no mesmo ano do início de sua construção.
No seu entorno podemos admirar um casario em madeira que se esgueira, também em declive, mas do lado oposto do cemitério, em direção da Estação Ferroviária.
As ruas na parte alta são exageradamente íngremes e estreitas, muitas delas impossibilitando ,inclusive, o acesso por automóvel.
Pelos perigos que representam aos transeuntes, boa parte dessas ruas são sustentadas por gigantescos muros de arrimo em granito, guardeadas por grossos cabos de aço e trilhos em desuso na ferrovia.
Para a maioria das pessoas que visitam a cidade o acesso é feito a partir dessa parte alta, já que os ônibus urbanos que se dirigem até lá tem seu ponto final nas proximidades do templo religioso.
Para os visitantes que se aventuram de carro ou motocicletas existem grandes estacionamentos nessa região, já que os espaços são pequenos para muitos veículos.
Da parte alta temos uma visão panorâmica de toda a Estação, podendo acompanhar com os olhos inúmeras composições ferroviárias indo e vindo pelos seus muitos trilhos paralelos, assim como uma visão magnífica do grande relógio da torre, o Big-Ben de Paranapiacaba.
Uma extensa passarela em ferro é a única maneira do visitante, que está na parte alta, se dirigir para o outro lado da Ferrovia, onde está a parte baixa e os mais variados atrativos de lá, a menos que deseje retornar uns 5km e seguir por uma estradinha de terra de outros 5km, para se chegar na parte baixa da vila com seu próprio veículo.
A PARTE BAIXA DE PARANAPIACABA
É na parte baixa da vila que praticamente tudo acontece. É nela que podemos verificar a presença ostensiva da arquitetura inglesa, coisa que só raramente acontece na parte alta.
RODANDO EM PARANAPIACABA
Suas poucas ruas são bem largas e tem como pavimentação o paralelepípedo ou o cascalho. Somam-se, ao todo, aproximadamente duas dezenas delas, todas praticamente planas, a exceção do Castelinho do Engenheiro.
CASTELINHO
Está localizado numa colina no meio da parte baixa e de lá se tem uma vista privilegiada de toda a vila, assim como da Estação Ferroviária, sendo excelente lugar para a fiscalização de tudo que ocorria nela.
Foi construído nos últimos anos do século 19 para ser a residência do engenheiro chefe, simbolizando a liderança e a hierarquia que os ingleses impuseram a toda a vila.
Reza a lenda que qualquer funcionário solteiro que fosse bisbilhotar nas imediações das casas dos casados, era demitido sumariamente, já que eram flagrados lá do alto.
Hoje o prédio está restaurado pela Prefeitura de Santo André e ali funciona um museu, que tem seu acesso monitorado.
CLUBE UNIÃO LYRA SERRANO
Construído na década de 1930, o prédio é feito em madeira e coberto por telhas francesas, possuindo um bonito hall de entrada que o faz destacar entre os edifícios da vila.
O lugar ostentava uma tela para cinema retrátil, podendo o salão ser utilizado até para fins esportivos. Os projetores originais ainda estão presentes na parede oposta da tela.
O imenso salão ostenta, ainda, dois camarotes que eram utilizados pelos diretores da Ferrovia São Paulo Railway.
No parte superior encontra-se o coro e o acesso para sala de troféus, onde se pode apreciar uma vasta coleção da premiação de futebol e outras atividades esportivas ocorridas no antigo clube.
ANTIGO MERCADO
O antigo mercado foi construído em 1899 para abrigar um empório de secos e molhados, e, posteriormente, uma lanchonete. Após muitos anos fechado foi restaurado pela Prefeitura de Santo André, tornando-se um centro multicultural.
Com sua localização privilegiada, permite que os eventos ali realizados tenham um cenário charmoso na serra.
PAU DA MISSA
O “pau da missa” é um eucalipto africano centenário, originalmente utilizado para avisos relacionados às missas de sétimo dia, que eram fixados nele.
Devido a sua boa localização, entre a Parte Alta e a Parte Baixa, esta árvore tornou-se um dos símbolos de Paranapiacaba, pois servia como suporte para informações da comunidade, integrando as duas partes da vila.
Hoje apodrecido em quase toda sua totalidade, se traduz num marco resistente das histórias pretéritas da vida e é venerado por todos os moradores e visitantes.
CASAS DE SOLTEIROS
Tais habitações foram construídas em localidades distintas das casas dos funcionários casados e serviam para abrigar os muitos funcionários solteiros que trabalhavam na ferrovia, de forma a não interferirem com os funcionários casados, já que muitos todos trabalhavam em turnos.
Possuíam dormitórios, sanitários e cozinha para pequenas refeições, existindo nelas poucos sanitários e chuveiros, já que os trabalhadores se revezavam em turnos.
CAMBUCI
Fruto encontrado facilmente em Paranapiacaba, o que atesta uma floresta bem formada e saudável.
Era utilizado na culinária pelos moradores e posteriormente passou a ser explorado como um produto turístico, sendo utilizado para receitas como geleias, sorvetes, sucos, licores, maceração em bebidas alcoólicas, mousse, bolo, etc.
Na vila chegou acontecer até concursos para escolher os melhores pratos culinários feitos de cambuci.
ESTAÇÃO FERROVIÁRIA
Inaugurada em fevereiro de 1867, com o nome de Estação Alto da Serra, servia para transporte de passageiros e escoamento do café, principal produto de exportação da época.
Em 1898 uma estação mais moderna foi construída no mesmo local, utilizando-se, além da madeira, o ferro e as telhas francesas, e tento como característica principal o grande relógio fabricado pela Johnny Walker Benson, de Londres, que se destacava no meio da neblina muito comum naquela região.
O primeiro sistema para o enfrentamento do desnível de quase 800 metros entre a Estação e o litoral foi o funicular, com algumas variações ao longo dos anos, passando a usar o sistema de cremalheira desde o ano de 1974.
MUSEU DO FUNICULAR
O museu fica junto aos trilhos, com acesso pela passarela de ferro, e apresenta ao visitante uma exibição das máquinas fixas do quinto patamar da segunda linha e a do quarto patamar da primeira linha, que transportavam o trem por esse sistema hoje em desuso.
No museu há, também, a exposição de diversos objetos de uso ferroviário, tais como fotos e fichas funcionais de muitos ex-funcionários da ferrovia.
Muito mais há se se comentar a respeito da estação funicular de Paranapiacaba desde seus remotos tempos, até os dias atuais, porém, nosso objetivo é despertar no leitor as possibilidades de estudo sobre essa importante matéria da ferrovia no Brasil, hoje praticamente relegada ao ostracismo, salvo raras exceções ainda heroicas em nosso país.
A PARANAPIACABA DOS FOTÓGRAFOS
A despeito de tanta história impregnada em cada metro quadrado de Paranapiacaba, a vila é praticamente um gigantesco cenário a céu aberto para milhares de fotógrafos, a maioria amadores e amadores avançados, que perambulam por suas entranhas a procura do melhor ângulo para seus retratos.
O visitante que chegar na vila poderá perceber uma grande quantidade desses colecionadores de imagens envoltos com mochilas de equipamentos, tripés, sombrinhas e vestuários para as imagens pretendidas.
Junto com tais fotógrafos costumam estar vários tipos de modelos que serão fotografados em todos os redutos da vila, principalmente no casario inglês, nas composições enferrujadas, nos grandes trilhos coberto de relva, ao lado do grande relógio ou entre as vielas escondidas aqui e ali.
Os melhores momentos para tais atividades são qualquer hora e em qualquer dia da semana, faça chuva ou faça sol e, principalmente, faça neblina, marca registrada de Paranapiacaba.
Grandes e impactantes imagens são feitas nas caladas das madrugadas frias e nebulosas, quando o local deixa de lado os ares alegres que se descortinam durante o dia, para uma paisagem surrealista e até macabra durante altas horas da noite.
O cuidado essencial para quem deseja se aventurar na arte da fotografia autoral é não avançar sobre a privacidade dos moradores fixos ou de colocar em risco o trabalho intenso da ferrovia, que movimenta composições durante as vinte e quatro horas do dia.
E então, que tal curtir com seu equipamento fotográfico (ou mesmo seu celular) essa vila incrível?
A PARANAPIACABA DOS ESOTÉRICOS
O ambiente nevoento e frio da vila enseja várias atividades culturais durante todo o ano, mas a Convenção de Bruxas e Magos em Paranapiacaba é das mais tradicionais feitas por lá.
O evento é organizado pela Universidade Livre Holística Casa de Bruxa (UNICB), que é uma instituição de ensino superior na área da Ciência da Religião, Medicina Holística e Neopaganismo, que está sediada em Santo André (https://www.casadebruxa.com.br/)
O evento costuma incluir atividades culturais, históricas, lúdicas e musicais para toda a família, sempre objetivando a busca pela magia da vila histórica de Paranapiacaba.
Segundo seus organizadores, o intuito da convenção é proporcionar aos convidados informações sobre energia, bem-estar energético e espiritual e da natureza humana.
Ao longo dos dias de convenção ocorrem palestras, workshops, danças celtas e ciganas, salas temáticas, além de expositores de diversos segmentos mágicos com vários produtos e acessórios, vendidos numa feira esotérica.
A convenção é considerada um dos maiores eventos do gênero no Brasil, com a proposta de divulgar informações sobre energia, natureza humana, processos e técnicas terapêuticas, questões sobre metafísica, entre outras abordagens.
Então, está aí uma grande oportunidade de interagirmos com esses seres místicos, aqui bem pertinho da capital paulista. Que tal?
A PARANAPIACABA DOS RADICAIS
Por estar sediada praticamente em mata fechada e no alto da Serra do Mar, a localidade é rica em recursos hídricos e em grandes trilhas que avançam pelas matas da região, com graus de dificuldade variáveis, conforme o percurso escolhido.
Embora muitos se aventurem de maneira autônoma pelas matas do entorno de Paranapiacaba, os riscos são grandes e a melhor solução ao aventureiro iniciante é contatar um monitor ambiental para seguir com um grupo, tirando o melhor proveito do passeio sem que haja um alto investimento na proposta.
Os roteiros partem todos da vila e podemos ver, principalmente nos finais de semana, inúmeros motociclistas do estilo off-road, assim como jipeiros, percorrendo as estradinhas poeirentas em busca de grandes emoções.
São inúmeras cachoeiras e poços na serra a serem explorados pelos visitantes, porém, boa parte delas com acesso restrito ou difíceis, o que incentiva a levarmos sempre um monitor conosco.
Se você deseja se aventurar pelas matas da Serra do Mar vá preparado com roupas leves, mas com calças e camisetas de manga compridas, calçado de tração, boné e, se possível bastões de caminhada, sem esquecer, obviamente, de protetor solar, repelente, água e algum tipo de alimentação.
O QUE FALTOU MENCIONAR SOBRE A VILA?
Na verdade faltou quase tudo. São muitas as informações sobre essa pequena vila, que tem uma história muito mais rica que a própria cidade que a abriga (Santo André).
Tudo que mencionamos foi colhido de informações de moradores locais, monitores dos vários museus espalhados pela vila, monitores ambientais que levam e trazem pessoas pelas matas da região e pelos muitos compêndios da história da ferrovia e da vila como um todo.
Aos interessados em conhecer mais sobre essa relíquia de localidade, sugerimos os arquivos das faculdades de história, dos compêndios da História da Ferrovia no Brasil e da participação inglesa no Estado de São Paulo.
COMO CHEGAR
Para o aventureiro que partir das imediações da Estação da Luz, no centro de São Paulo, o percursos a ser percorrido será de 64km, devendo partir pela Via Anchieta, até o Parque Estoril, na represa Billings, seguindo então pelo Caminho do Mar e Rodovia índio Tibiriçá, até proximidades de Ribeirão Pires e depois em direção de Rio Grande da Serra e Paranapiacaba.
Outra sugestão é seguir de trem. Nesse caso, quem for embarcar em São Paulo (capital) é preciso pegar um trem (linha 10) na Estação do Brás, até a Estação Rio Grande da Serra, e de lá pegar o ônibus 424 até a Vila de Paranapiacaba e descer no ponto final.
Se você já conhece a região, tem alguma crítica ou sugestão para fazer, envie-nos um comentário a respeito. Será muito útil para nós.
EDITORIAL
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