Uga! Uga! Rá! Rá!, Uga! Uga! Rá! Rá! Essa é a letra integral do “samba enredo” desse bizarro bloco carnavalesco, que já é usada há 29 anos consecutivos, O Bloco sai às ruas de Paraty/RJ, na Praia do Jabaquara, nas tardes de sábado de carnaval.
Não era nenhuma coincidência estarmos presentes no evento, pois com o projeto Tour no carnaval 2015 era realmente nossa intensão acompanhar esse bloco em seu inusitado desfile. A moto era o melhor meio de transporte para se chegar lá, já que a Praia do Jabaquara é praticamente acessada somente por uma diminuta ponte, nas imediações do Morro do Forte.
O fluxo de pessoas já estava ficando intenso, uma vez que ninguém queria perder o “espetáculo da idade da pedra”. A maior preocupação do grande número de turistas era como deixar o carro (ou moto no nosso caso) livre da lama e dos arranhões, comuns onde há grande concentração de gente, principalmente por ser carnaval e a lama ser abrasiva com a pintura dos veículos.
Cuidamos de chegar com bastante antecedência na parte norte da praia, que por sinal é 90% gramada com perfeição, e nos instalamos na “tenda de imprensa”, dedicada aos jornalistas do mundo todo que lá conversavam em vários idiomas: Uma verdadeira Babel num mundo Neandertal.
Um imenso palco foi montado na encosta do mangue, na qual se apresentava uma Banda, onde seus músicos desfiavam seu repertório de “esquenta”, para um público bastante eclético. Os estilos se revezavam conforme a vontade da estranha platéia, que dançavam num ritmo frenético, enquanto se “fantasiavam grotescamente” para o desfile.
ACOMPANHE O “ESQUENTA” DO BLOCO DA LAMA
Algumas pessoas da cidade do Rio de Janeiro praticamente nos adotaram e com eles ficamos boa parte da festividade, antes do bloco “desfilar na avenida”. Cerca de 15 cariocas, com direito ao peculiar sotaque “doixxxx paxxtéixxx”, cuidaram de nossas coisas e da moto, embora estivesse ela em lugar já garantido, e chegaram até dividir conosco o lanche e a cerveja gelada, que veio a calhar naquele calorão todo.
Cuidamos de perguntar aos organizadores algo a mais sobre tão irreverente grupo e a resposta foi: “O Bloco da Lama foi fundado por acaso em 1986, quando algumas pessoas, sujas de lama, resolveram ir ao carnaval de Paraty. Como chamaram bastante atenção, os anos seguintes foram marcados por uma ascendência de público cada vez maior”.
Segundo a tradição local, a passagem do Bloco pelas ruas da cidade levam consigo os maus fluidos e espíritos malignos que pairam sobre a cidade, fazendo o carnaval ser pacífico e acolhedor, como sempre acontece em Paraty.
Por causa de “alguns foliões” (como sempre), a administração pública tem impedido que os “enlameados” desfilem no centro histórico da cidade, como antigamente, já que propositadamente sujavam carros, paredes e pessoas, provocando brigas e algazarras, o que decididamente não é o objetivo dos organizadores.
Por falar em organização, estavam os responsáveis pelo bloco constantemente fazendo uso do microfone para pedir respeito aos que não queriam se sujar; aos que vieram só para curtir; e, especialmente, para os jornalistas que trazem consigo equipamentos caros, com o único propósito de exaltar a atividade carnavalesca daquele bloco.
Numa gigantesca área gramada, cercado de totens (varas com caveiras ou bandeiras na ponta), delimitava-se a “concentração” daquele grupo carnavalesco e o “camarim” era a lama da ponta da Praia do Jabaquara. Homens, mulheres, crianças e famílias inteiras se enlameavam para valer.
Era até cômico ver algumas pessoas chegarem, brancas como cera, e começarem a se “fantasiar”. Uma sujadinha aqui, um arrepio ali, um nojo acolá. Levava algum tempo, mas logo logo havia uma uniformidade entre os foliões: a cor cinza escuro.
Conhecido mundialmente pela originalidade da “fantasia” (lama preta), recebe milhares de pessoas que sempre aderem ao desfile com “trajes oficiais”. O bloco em si representa uma tribo pré-histórica, coberta de trapos e carregando caveiras, cipós, ossadas e muita ousadia. A fumaça ocre/alaranjada cria o clima de suspense e de caos, predominantes no início dos tempos.
O “samba enredo” é um caso à parte. Uga! Uga! Rá! Rá!, Uga! Uga! Rá! Rá! é o que você ouvirá em todo o tempo do desfile. Quando muito, entre um desses refrãos e outros, poderá ouvir o “puxador da escola” grunhir algo como: “Blllá rag gar arg ug blug arrggg” ou coisa parecida, afinal não conseguimos decifrar toda a letra, de tão complexo enredo.
Um carro de som seguia a frente do cortejo de momo, com o som no último volume, despejando esse “hino da Lama” para quem desejasse ouvir. Logo atrás um andor era carregado por quatro integrantes do bloco, que se revezavam por causa do seu peso.
Esse “carro alegórico”, carregado pelos foliões, era uma coisa para se arrepiar. Quatro cabeças “encaveiradas” de animais de grande porte, misturadas com muito cipó e ciprestes, soltando muita fumaça avermelhada, nos remetia ao “Inferno” mostrado por Dante Alighieri, em sua Divina Comédia.
Não havia como não se contagiar com a alegria pura e simples de jovens de 2 a 90 anos de idade, todos cobertos de lama, máscaras, etc. Pessoas importantes e mesmo celebridades famosas encontravam-se presentes, obscuras aos olhos do público com o qual “se misturavam”, mas cristalinas como o dia, para outros. Um autógrafo feito com lama pode ser único.
Quando o cortejo chegou nas proximidades da ponte sobre um braço do Rio Perequê-Açú, o trânsito ficou impraticável no local. Como o desfile segue ao longo de uma avenida, não há como não ter os veículos nela estacionados enlameados de alguma forma, a maior parte das vezes pelos esbarrões dos foliões alegres e cantadores. Vá preparado.
Não tem apelação: Entrou na lama é para se sujar. De nossa parte, ainda que nossa motocicleta estivesse em “local seguro”, não ficou livre da lama cinza, assim como nós, depois do desfile, para tirar o cansaço do Pico da Macela. O pior é que essa lama adere de tal maneira, principalmente no plástico, que mesmo depois de uma boa lavada, deixa sua marca eterna.
O tempo vai passando e o Bloco só para “quando não houver um só espírito negativo rondando o carnaval de Paraty”. Aí então o bloco se despede do público presente com um banho no rio ou no mar daquela cidade, deixando no ar uma mensagem de paz, para que o carnaval do ano seja como sempre foi: Uma festa só de alegria.
Com os “imprevistos” (tiros e morte) ocorridos exatamente nessa noite de carnaval do carnaval paratiense, seria bom que os organizadores do Bloco da Lama se esforçassem para levar de novo o desfile para o centro da cidade, fazendo sumir de lá também, todos os espíritos trevosos que quiseram estragar um dos carnavais mais bonitos e cheio de amor do Brasil
Parabéns aos organizadores do Bloco da Lama, por levarem divertimento simples, gratuito, despretensioso e puro para todo o povo brasileiro, bom por natureza e com um coração de manteiga e, junto com foliões cobertos de lama, despedimos de todos, aguardando 2016.
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CRÉDITOS
Texto e Edição: Marcos Duarte
Fotos e vídeos: Marcos Duarte
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