Sete Fogões é um bairro rural atípico. Situado exatamente na linha divisória entre as cidades de Rafard e Tietê, está esquecida por ambas no meio de canaviais e pastos sem fim.
O lugarejo conta com aproximadamente uma centena de construções, metade em cada uma dessas duas cidades. A divisão entre esses dois núcleos do mesmo bairro é nítida, já que estão separados entre si por uma pontinha de concreto.
Consta-se que o nome “Sete Fogões” vem do tempo dos bandeirantes, que seguiam pelo Rio Tietê em direção ao oeste do continente. Com a frequência deles nesses caminhos utilizados, construíam grandes fogões de tijolos para quando por lá voltassem.
Embora o nome sugestivo e a beleza do lugar, Sete Fogões não tem uma infraestrutura adequada aos seus moradores. Todas as ruas são em terra, caindo também por terra as inúmeras promessas de pavimentação feitas em campanhas eleitorais.
Com as casas do bairro estão em duas cidades diferentes, nenhuma delas tem interesse de investir ali, pois serviria igualmente para as pessoas “do outro lado”. Enquanto isso Sete Fogões vive uma vida totalmente distinta dos demais moradores desses municípios a que pertencem. Um ônibus faz o percurso ao vilarejo, mas há precariedade no transporte, principalmente nos feriados e domingos.
NOSSA VIAGEM
Seguimos de São Paulo pela Rodovia dos Bandeirantes e na região de Jundiaí mudamos para a Rod. Mal. Rondom, com destino da cidade de Tietê, no interior do Estado. Na rotatória de entrada dessa cidade tomamos a Rod. João José Rodrigues (SP 113) até a ponte sobre o Rio Tietê.
Dali entramos à direita na via de acesso que vai até o Bairro de Sete Fogões. São cerca de 8 km de muita beleza e asfalto bem conservado. A despeito da pista estreita de mão dupla é delicioso curtir as curvas beirando o rio que já está se tornando limpo dali em diante.
A surpresa ficou na chegada do Bairro de Sete Fogões, na parte pertencente a cidade de Tietê. O asfalto desapareceu no início da Vila. Apenas uma moradia estava com asfalto até sua porta, todas as outras em terra e poeira.
Era um domingo de sol e o único lugar que poderia nos oferecer uma refeição ou lanche estava fechado. Aliás, segundo os moradores essa lanchonete quase nunca abre, só em ocasiões especiais. Com certeza aquele não era um “dia especial”.
O mercado existente também estava fechado, por certo nas poucas casas da localidade o almoço já estava preparado e servido naquele momento. Mais que mero mercado é uma espécie de farmácia, boutique, casa de rações, utensílios, perfumaria… e o que quisermos mais. Muito bem arrumado, fica ao lado da igreja.
Não vimos nenhum outro estabelecimento comercial, seja lá do que fosse, nas demais construções da vila pertencente ao município de Tietê, a não ser algumas plaquinhas indicando sorvetes tipo “gelinho” e coisas assim.
Este lado do Bairro não é sujo, porém bastante desorganizado na construção das ruas, que são bastante irregulares, além de existirem muitas casas em estado precário. O Poder Público parece que desconhece a existência daquele local… Só parece, porque atua com firmeza quando é de seu interesse…
A despeito da inexistência quase que completa de infraestrutura para os moradores, uma placa oficial impunha a obrigação do cidadão de jogar o lixo na única e diminuta lixeira do local, bem como incitava a delação de quem assim não agisse, sob pena de severa multa. É pouco ou quer mais?!
Seguimos em frente e, entre pastos dos dois lados, transpusemos a “ponte” que liga as duas partes do vilarejo. Estávamos agora em “terras de Rafard”. Pensam que as coisas mudaram? Quase nada.
Não vimos fogão algum por aqui, mas, entre as poucas dezenas de casas distribuídas em quatro ruas, conseguimos verificar “sete igrejas”, muitas delas novinhas em folha ou sendo construídas por seus fiéis. Pelo menos fé não falta à esse povo “dos fogões”.
Não obstante as prodigiosas declarações em jornais oficiais da cidade de Rafard, feita pelos administradores públicos, a parte que cabe à eles administrarem está tão abandonada quanto a que pertence a Tietê.
Pelo menos as ruas aqui são melhores desenhadas e as construções bem feitas. Um galpão multiuso está sendo construído pela prefeitura e já é um avanço. Conversando com os moradores deste local, que Rafard insiste em chamar de “Bela Vista”, estes disseram que preferem o nome tradicional, e que carecem de outros recursos mais importantes que a mudança do nome.
Um único mercado também serve este lado do bairro, a exemplo do que ocorre no outro e em suas proximidades existe um par de “Orelhões” de telefonia pública. Neste lado do Bairro dois pequenos estabelecimentos, improvisados em bares e similares, são os “points” da população local.
Fizemos questão de rodar em todas as quatro ruas do lugar e chegamos a conversar com alguns moradores. São unanimes em dizer que não se tem nada para fazer por ali e que até é difícil de chegar a cidade, por precariedade do transporte publico.
Para os motociclistas de aventura a terra que os moradores desprezam é o caminho ideal para suas motos trails ou cross e, em todos os finais de semana, inúmeras motocicletas passam por Sete Fogões em busca de divertimento.
Nosso caso não foi diferente, mas infelizmente não temos um indicador de “onde comer” naquela localidade, já que não existe, esperando que esse nicho comercial possa ser incrementado na região, para que se tenha um roteiro seguro para os aventureiros em duas rodas.
Acreditamos que em breve tempo uma estrutura especial para receber o mototurista seja criada no local, podendo servir a todos os tipos de motocicletas, já que o percurso até Sete fogões pode se dar tanto por terra, como por asfalto bom.
Deixamos a vila seguindo pelo canavial e não pelo mesmo local por onde viemos. Outros oito quilômetros sobre terra vermelha, pedriscos e areia nos levaram de volta à SP 113, logo após o pedágio, já próximo de Rafard e Capivari.
Passamos pelo centro de Rafard tentando desviar da Usina de Álcool fumegando em plena cidade, expelindo forte odor etílico e fuligem. Seguimos às pressas para Capivarí, deixando o ar viciado para trás. Depois de um gostoso almoço retornamos à capital seguindo pela Rodovia do Açúcar, até a cidade de Itu, e depois para São Paulo, pela Rodovia Castelo Branco.
O passeio foi muito legal. Mais legal, ainda, é poder, como motociclista que somos, contribuir para o desenvolvimento de tantas comunidades carentes e abandonadas do nosso país, travando contato íntimo com seus moradores, trazendo suas preocupações ao público e levando-lhes nosso carinho.
Um agradecimento especial à população de Sete Fogões, que recebeu a equipe do Portal D Moto com bastante educação e cortesia. Certamente voltaremos em breve.
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CRÉDITOS
Texto e Edição: Marcos Duarte
Fotos e vídeos: Marcos Duarte
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Agradecemos seu comentário Lourisvaldo. Em qual lado de “Sete Fogões” você mora? no de Tietê ou de Rafard?
Excelente matéria. Lembro quando residi em Tietê, bem ali na Nova Tietê, e esse bairro exercia um fascínio muito grande em mim por ser distante, inacessível e bucólico. Certo dia, peguei a bicicleta, cabulei aula (era então estudante do Ensino Médio do Colégio Gradual) e fui para lá. Era a sensação de ter viajado no tempo.
É uma pena que depois desta minha visita, há quase sete anos, nada tenha mudado na vida dos moradores, que ainda seguem esquecidos.
Valeu por comentar nossa matéria. Realmente gostamos muito de nos aventurar por lugares bucólicos assim, com população quase esquecida dos governantes. é uma forma de inclusão de seus moradores numa civilização que não os conhecem.
Parabéns pelo site!
ótimo conteúdo.
Desejo-lhes sucesso.
Muito boa matéria sobre o Bairro Sete Fogões.
Minha mãe nasceu nesse lugar em 1916 e lá viveu até cerca de 10 anos. Ela sempre me falava com saudade dessa fase da vida. Dizia que nesse local seu avô que era português possuía um sitio e um pequeno engenho de açucar onde produzia açucar mascavo, rapadura e melado de cana-de-açúcar para vendas e cereais, frutas, verduras, aves, suínos e leite para consumo familiar e de empregados. Viviam no sítio o casal de portugueses, os filhos solteiros, os casados e os netos.
Quando se formava estoque de açucar mascavo que dava para completar carga de quatro a cinco carroções, então transportavam até a estação ferroviária de Porto Feliz de onde o trem a vapor transportava para o Porto de Santos. Desse porto o açucar era levado para Portugal. Os carroções eram puxados cada um por um grupo de até sete animais entre burros e mulas.
Lembrei da história que minha mãe contava sobre Sete Fogões e tive curiosidade de saber como é atualmente esse lugar. Encontrei ó portal de Marcos Duarte reportando a atual situação.
Obrigado pela matéria.
Odil de Caxias
Valeu pelo comentário caro Odil. Sua história é bem informativa e nos faz lembrar que desde os remotos tempos dos nossos ancestrais, aqui na “Colônia” chamada Brasil, nós remetemos o melhor de nossa produção para fora do país. Em consequência, vemos hoje nossas antigas comunidades todas minguadas e nosso povo cada vez mais sofrido, tendo que migrar para cidades maiores, para continuarmos a contribuir com o crescimento do resto do mundo, enquanto nós mesmos…
É certo. Nos útimos cem anos tem acontecido muitas mudanças nas produções rurais. Houveram muitas aquisições de áreas de terras por latifundiários, em parte empresas extrangeiras e pequenos produtores se deslocaram para as cidades. A mecanização da lavoura aliada ao avanço da tecnolgia mecânca, eletrônica, computacional, química, biológica, de transporte, de cultivo proporcionaram enorme aumento de produção agro pecuária que contribuem com o crescimento e alimentçãode outras partes do mundo. Em consequência houve grande redução de uso de mão de obra. As pessoas que viviam empregadas em zonas rurais se deslocaram para as cidades. Há comunidades que se modificaram, outras que minguaram e outras desapareceram. A vida e convivência dos homens que viviam no campo mudaram significadamente. Nas cidades há pessoas que viveram nas pequenas comunidades e zonas rurais que dizem “eu era feliz e não sabia” apesar de trabalhos árduos que enfrentavam.