20/06/2016
O olhar que o gavião tem lá nas alturas é indescritível e foi a sensação que tivemos seguindo os passos dessa ave de rapina, voando livremente no céu azul da represa de Chavantes, no Paraná.
Era nosso segundo dia de estadia em Ribeirão Claro e a curiosidade nos levou nas redondezas do Morro do Gavião, não só para apreciar a vista desse cartão postal da cidade, mas para nos entretermos com os “pilotos voadores”.
A CAMINHO DA RAMPA
Deixamos a cidade por volta das 10h da manhã, seguindo em direção da Rampa do Índio, local onde se pratica um sem-número de atividades radicais, todas elas ligadas ao voo nos céus da cidade. Parapente, Paramotor, Paraglider, Asa Delta, Trikers, etc, são algumas delas. Um verdadeiro sonho que Ícaro certamente não desprezaria.
A partir do centro de Ribeirão Claro rodamos cerca de 3km em asfalto bem conservado, e outros 8 ou 9kms em terra batida entre fazendas de café e muito verde. Uma paisagem estonteante se nos apresentava a cada curva que contornávamos com nossas motos, o que nos fazia parar para curtir melhor cada segundo daquele paraíso paranaense.
Se a Transalp estava se sentindo em casa com toda aquela terra por onde trafegávamos ligeiros, a Vovó Ténéré, com seus exatos 25 anos de idade, não deixava por menos e galgava com grande galhardia cada “costela de vaca”, cada “areia fofa” e cada trilha difícil que vinham pelo caminho. Realmente ainda era muito valente a “velha guerreira dos desertos”.
Para a nossa “vovó da marca dos três diapasões” o jeito era aproveitar ao máximo essa que seria sua última viagem ao nosso lado, já que passaria a ter novo proprietário logo que retornássemos para casa. No entanto as saudades já se prenunciavam a cada movimento da suspensão, a cada som do saudável e potente motorzão da nossa primeira bigtrail nacional.
TORRE DE PEDRA
Não teve como. Na metade do caminho precisamos dar uma parada extra para contemplarmos a “Torre de Pedra”, uma imensa formação rochosa em arenito que se assemelha a ameias de um castelo, com aproximadamente 80 metros de altura e de uma beleza ímpar.
Se estivesse conosco o prof. Juliano Camargo, nosso amigo e anfitrião de Nova Campina/SP, certamente nos daria pertinentes aulas de geografia, quiçá nos informando que tal “pedra” seria um “morro testemunho”; que teria sobrevivido a eras geológicas de milhões (até bilhões de anos); etc. Saudades de você amigão.
Questionando na cidade, soubemos que a Torre de Pedra é um ponto turístico altamente utilizado para prática de rapel e escalada. Há algumas agências especializadas que trazem turistas para iniciarem-se na pratica de alpinismo e técnicas diversas de rapel, estando constantemente cheia de esportistas entranhados em suas escarpas.
NA RAMPA DO ÍNDIO
Deixamos a Torre e seguimos nosso destino naquele dia, rodando mais alguns kms até avistarmos, entre os imensos e bem cuidados pastos, e sob a admiração de alguns bovinos curiosos, o céu triscado de variadas cores das velas que voavam no alto.
Acabávamos de contornar o Morro Gavião e a Rampa do Índio já estava a nossa frente. Ela mais parecia naquele momento um imenso box de automobilismo, cheio de trailers, pick-ups e vans, todas abarrotadas de parafernálias de voo que mal compreendíamos a utilidade, além de pessoas e “técnicos” indo e vindo com alguma peça nas mãos.
Mal estacionamos nossas motos entre todos aqueles veículos e fomos recepcionados pelo piloto e mestre Edilson Marques Reis, que sem nenhuma delonga nos apresentou ao resto da turma e ao Reynaldo Bellia, a pessoa que nos convidou para conhecermos a “rampa” em Ribeirão Claro, e nos proporcionaria muita aventura naquele dia.
O nome da rampa se deve ao Morro da Pedra do Índio que fica ali mesmo, que tem sobre ele uma rocha com o formato da cabeça de um índio americano. Entre conversas daqui e as “subidas e descidas” dos pilotos em nossa frente, ouvimos o “sino do almoço”, alusão ao funcionário da fazenda avisando que o “rango estava pronto”!!??
ALMOÇANDO “NO MATO”
Era o que faltava, imaginamos nós. Um “almoço” ali, no meio do mato? Isso mesmo, ouvimos bem e logo também fomos convidados. Como o Morro do Gavião é destino certo de esportistas de todos os ramos: ciclistas, caminhantes, motociclistas, jipeiros e muitos “voadores” de todos os tipos, os moradores dali se organizaram para cuidarem da nossa “boia”.
Um rancho aberto com mesa grande e longos bancos recebe a todos com a mesma cortesia. Come-se a vontade com o preço único de R$ 13,00. A variedade é pouca, mas a comida é caseira, bem feita e gostosa. Atacamos de frango e carne assada com arroz e macarronada. A bebida é a parte e predominam os refrigerantes, água e energéticos.
A curiosidade é que ninguém “enche o prato”, afinal não dá para voltar de bike com o estômago carregado, tampouco aproveitar da brisa da represa, num voo sobre suas águas fartas e mansas. Almoçamos com um grupo de bikers de Santa Cruz do Rio Pardo que já voltavam para sua cidade, pedalando outros 54kms entre estradas asfaltadas e de terra.
ENTREVISTA NA RAMPA
Retornando à rampa não perdemos tempo e quisemos saber de Reynaldo tudo sobre aquele lugar; sobre os esportes ali praticados; e sobre a forma de receberem os amigos e turistas. As respostas podem ser conferidas aqui.
COM O OLHAR DO GAVIÃO
Agora a porca torceria o rabo. Teríamos que aceitar o convite do Bellia para não termos nosso orgulho ferido. Voar não é nosso forte e seria extremamente difícil manter os pés longe de alguma coisa palpável como o chão, o estribo da moto, a terra firme, etc. Mas como promessa é dívida…
Antes de voarmos assistimos ao passeio nas alturas de Jéssica Gobato, campeã brasileira de maratona 40km remando, e Tri campeã sul-americana no K1 de velocidade em canoagem, que pousou tranquilamente ao nosso lado depois de um voo duplo com um dos pilotos presentes. Tivemos que engolir seco e criar coragem para não fazermos feio.
Fomos então apresentados ao piloto e mestre Rodolfo Hammerschimdt Jr., com invejável bagagem de conhecimento em voo livre, que tinha acabado de chegar de uma Expedição de mais de 2000km entre São Vicente/SP e Montevideu, no Uruguai, voando de Paramotor (parapente com motor nas costas) sobre a orla marítima do continente.
Tratamos de começar a “vestir” a indumentária de segurança, sem ficar olhando muito para os detalhes dos fechos e tirantes e, principalmente, para o desfiladeiro em nossa frente, com vista para a imensa península e para o famoso “morro do Padilha”. Voaríamos livres como um gavião, no entanto nossa pressa era quase inexistente nesse momento.
Esse depoimento é pessoal: “No momento derradeiro, com várias pessoas a meu lado me prendendo com grampos por todos os cantos e tagarelando coisas incompreensíveis para mim, veio um pânico absurdo, como se eu estivesse entrando mais uma vez numa mesa de cirurgia, como aconteceu cerca de 8 vezes nesses últimos dois anos”.
E continuo: “O pânico tomou conta de mim e praticamente travou-me por alguns segundos. Sim, alguns segundos. Depois do palavrão gritado em alto e bom som, senti-me literalmente no céu e só tinha palavras de elogios e felicidade. No quarto segundo do meu voo eu já não pretendia descer mais lá de cima, de tanta beleza e comodidade”
Bom lembrar que antes de nos arriscarmos nesse esporte tão desconhecido para nós, fomos alertados por muitas pessoas (que hoje sabemos que são absolutamente desconhecedoras do assunto), sobre os violentos “trancos” que teríamos no ar; “o vento forte” que nos arremessaria longe; os “perigos” da vela fechar em movimento e assim por diante.
Nosso “quinto segundo” no ar foi impressionante: Nenhuma das mãos apoiando em nada; nenhuma das pernas pressionadas de qualquer forma; nenhuma dificuldade de manusear as duas câmeras fotográficas que portávamos; nenhuma dificuldade de falar com o piloto; enfim, parecia que estávamos numa poltrona em casa.
A visão? Magnífica. A princípio nos precipitamos rumo a represa, mas cadê a queda livre ou coisa assim? Nada, apenas a visão tridimensional do horizonte. Nem mesmo percebíamos que estávamos a subir. A sutileza do vento soprando contra era divina, uma brisa suave.
Medo? Nenhum. Vontade de aterrissar? Mais tarde, talvez. Dificuldade de conversar? A mesma da nossa sala de visitas. Conforto naquela geringonça? A de uma “cadeira do papai”. Que fazer então? Apreciar a obra de Deus, sentindo o “barulhinho do silêncio” divino, indo e vindo continuamente sob a abóboda celeste, toda azulada naquele dia de outono.
Se quando partimos da rampa seguimos “montanha abaixo”, em direção da represa de Chavantes, agora estávamos há mais de 200 metros acima de onde partimos. Para sermos mais exatos, voávamos sobre o Morro do Gavião, que tem cerca de 400 metros de altura, a partir do nível da represa e avistávamos as motos como um pequeno ponto no gramado.
Outra novidade para nós era que todos os pilotos ali presentes estavam conectados entre si e com a base, através de rádios potentes. Cada aeronave como a nossa seguia com uma série de instrumentos de navegação, todos compactos e colados com velcro numa base na frente do piloto. Condições atmosféricas, previsões de chuvas, nada escapava aos pilotos.
Enquanto voávamos não saía de nossa mente aquele personagem mitológico que lembramos no começo desta matéria, Ícaro, que voou revestindo seu corpo com penas, prendendo-as com cera até que essa derretesse pelo calor do sol.
Voar, voar…Subir, subir. Ir por onde for, descer até o céu cair... O cantor Biafra foi muito feliz ao nos trazer essa música, que realmente reflete a sensação que temos lá no alto, voando como um gavião. Ele certamente realizou um voo desses em espírito, já que naquela época era quase impossível viajar no céu como estamos descrevendo nesta matéria.
O POUSO DO GAVIÃO
Usando agora a sabedoria popular, onde estamos fartos de saber que tudo que sobe, desce, chegou a hora de nosso pouso, já que estávamos há quase meia hora no ar. O vento se fazia mais forte, segundo as informações do “comandante Rodolfo”, mas não percebíamos isso lá em cima, afinal estamos acostumados a viajar de moto com vento contra a mais de 150km/h.
Contornamos pela última vez o Morro do Gavião e o piloto Rodolfo resolveu descer na área mais sossegada da rampa, já que um voo duplo exige um cuidado maior com o passageiro, nem sempre afeito as técnicas de voo livre. Fizemos a aproximação de forma regular e em pouco tempo conseguimos pisar suavemente o chão gramado.
Como todos nós pudemos perceber, os pilotos de parapente e congêneres usam uma espécie de mochila gigante que abrange o corpo todo. A finalidade desse equipamento, além de outras que não conseguimos desvendar nessa aventura, é amortecer as aterrissagens, que muitas vezes são feitas com “as costas”, por causa da confortável posição de pilotagem.
Em nosso pouso sentimos realmente a necessidade desse protetor pois, já com os nossos pés no chão e com a vela caindo normalmente atrás de nós, uma rajada de vento inesperada fê-la inflar novamente e nos arrastar pelo pasto por alguns metros, repetindo essa façanha por uma segunda vez, tudo sob as gargalhadas dos presentes.
Foi a cereja do sorvete ou a azeitona da empada, vocês decidam. Não é que alguma coisa tinha dado errado depois de tudo tão tranquilo? No entanto fechamos nosso voo com “chave de ouro“, depois de muitas risadas e bosta de vaca grudada na roupa toda. Já em terra firme desvencilhamos dos “uniformes”, com a alma lavada e uma felicidade nunca sentida.
CONFIRA O VÔO
DESPEDINDO DO GAVIÃO
Nosso companheiro de aventuras, Celso Elez, o piloto da Ténéré 600cc que nos acompanhou em toda a aventura até cidade de Ribeirão Claro, não foi convencido a tirar os pés do chão e ficou ali mesmo dando o suporte psicológico para nós “passarinhos”, codinome que nos é dado pelos pilotos veteranos, logo após termos concluído nosso primeiro voo livre.
Depois de muita conversa jogada fora e da promessa de retornarmos para outros voos mais demorados por aquelas plagas paranaenses, despedimos de todos e colocamos novamente nossa moto na estrada para retornarmos para a cidade que nos acolhia. Um bom descanso nos aguardava, quando colocaríamos em dia os novos sentimentos que nos afloravam no íntimo.
O convite do Reynaldo Bellia é extensiva para todos nós: “A rampa do índio está a disposição de todos aqueles que vierem com o espírito puro e a real vontade de flutuar sobre as águas e as montanhas”.
O CAMINHO PARA A RAMPA
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CRÉDITOS
Texto e Edição: Marcos Duarte
Texto e Edição: Marcos Duarte e Celso Elez
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BIBLIOGRAFIA DE APOIO
http://www.patrimoniocultural.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=151
http://www.achadosdachris.com.br/336/Ponte-Pensil-Alves-de-Lima
http://chavantesporliliaalonso.blogspot.com.br/2012/07/chavantes-e-revolucao.html
http://www.memoriaduke.com.br/Post.aspx?menu=0&post=2
http://sossolteiros.bol.uol.com.br/afinal-narguile-faz-mal-ou-nao/
http://www.paranaturismo.com.br/?p=1552
https://pt.wikipedia.org/wiki/Ribeir%C3%A3o_Claro
https://pt.wikipedia.org/wiki/Usina_Hidrel%C3%A9trica_de_Chavantes